Ação e aventura baseado em fenômeno da literatura de jovens adultos, com 3 milhões de cópias vendidas, está na Netflix Divulgação / Netflix

Ação e aventura baseado em fenômeno da literatura de jovens adultos, com 3 milhões de cópias vendidas, está na Netflix

Lançado em 2005, “Feios” representou um marco na trajetória de Scott Westerfeld, consolidando-o como um nome proeminente na literatura juvenil de ficção científica. A série rapidamente conquistou um público fiel, vendendo impressionantes 3 milhões de cópias ao redor do mundo. O sucesso avassalador do livro garantiu uma adaptação para o cinema, dirigida por McG e distribuída pela Netflix, consolidando a obra no imaginário de uma nova geração de leitores e espectadores.

Westerfeld não parou por aí. Após o êxito de “Feios”, ele também brilhou com a trilogia “Leviatã”, lançada entre 2009 e 2011, que, assim como sua obra anterior, atingiu o status de best-seller entre o público jovem-adulto. Em “Feios”, o protagonismo de Joey King, interpretando Tally Youngblood, mergulha o espectador em um futuro distópico no qual todos os jovens, ao completarem 16 anos, são obrigados a passar por cirurgias plásticas para se adequar aos padrões estéticos impostos pela sociedade. Até atingirem a idade para a transformação, os adolescentes vivem à margem, aguardando ansiosamente o momento em que suas imperfeições serão eliminadas, permitindo que, finalmente, se tornem “bonitos”.

Tally, marcada pelo apelido de “Vesguinha” devido à sua condição visual fora dos padrões, sonha com o dia da cirurgia. Sua lealdade ao amigo Peris (Chase Stokes) é forte, e os dois compartilham uma relação afetuosa, ainda que decidam manter o vínculo apenas como amizade. No entanto, quando Peris é selecionado para a cirurgia antes de Tally, ele promete encontrá-la em uma ponte. O encontro, porém, não ocorre como planejado, deixando Tally desiludida e questionando as motivações por trás dessa transformação tão almejada.

A vida de Tally dá uma guinada ao conhecer Shay (Brianne Tju), uma jovem que planeja fugir do sistema e revela segredos perturbadores sobre o verdadeiro impacto das cirurgias. Mais do que alterar a aparência física, o procedimento transforma profundamente a personalidade dos indivíduos, eliminando sua autonomia e os convertendo em seres superficiais e facilmente manipuláveis. A cirurgia, antes vista como um caminho para aceitação social, revela-se um processo desumanizador que apaga a individualidade e torna os “bonitos” conformistas, submissos ao sistema que controla a sociedade.

A adaptação cinematográfica segue fielmente a crítica social presente no livro de Westerfeld, explorando de maneira incisiva a obsessão por padrões de beleza e o conformismo imposto pela sociedade. O filme, como o texto original, denuncia a busca vazia pela perfeição física e suas consequências devastadoras, não apenas na aparência, mas na essência dos indivíduos. Ao aderirem a esse modelo estético uniformizado, as pessoas perdem suas identidades, suas vozes e, no fim, sua capacidade de pensar de maneira independente.

Outro ponto central da narrativa é a forma como a tecnologia e a biotecnologia são utilizadas como ferramentas de controle social. Não se trata apenas de transformar corpos; trata-se de manipular mentes. As cirurgias criam indivíduos que, além de belos, são passivos, incapazes de questionar as normas que lhes são impostas. Nesse contexto, Tally emerge como uma figura de resistência, unindo-se a um grupo que pretende derrubar o sistema opressor. Em sua jornada, ela enfrenta não apenas o regime, mas também seus próprios medos e dúvidas, numa trajetória de autodescoberta e transformação.

A crítica à imposição de padrões estéticos inatingíveis e ao controle social é uma constante na obra, e o filme reforça esses questionamentos com uma abordagem acessível ao público jovem. Embora as questões discutidas sejam profundas e complexas, a narrativa opta por uma apresentação mais leve e digestível, permitindo que o público juvenil reflita sobre esses temas de maneira mais intuitiva. O filme tem a intenção de provocar o pensamento crítico, despertando dúvidas e incentivando uma análise mais ampla das pressões para se conformar aos padrões de beleza e comportamento, temas que ecoam fortemente no cenário contemporâneo.

Com um olhar influenciado por valores pós-modernistas, “Feios” desafia a ideia de que a perfeição física é a chave para a felicidade ou realização. Ao invés disso, questiona o papel das instituições que ditam padrões de beleza, abordando de forma incisiva o impacto disso nas relações interpessoais e na autoimagem dos indivíduos. O filme propõe uma reflexão sobre como esses ideais irreais de beleza afetam a autenticidade humana, levando à perda de singularidade e à alienação.

Por mais poderosa que seja sua mensagem, o filme opta por uma narrativa que dialoga diretamente com a juventude, sem se aprofundar em um tom acadêmico ou excessivamente teórico. A intenção é clara: introduzir os jovens a esses dilemas complexos e instigar discussões que possam se aprofundar à medida que o público amadurece. “Feios”, tanto no livro quanto no filme, é mais do que uma história sobre cirurgias estéticas e revoluções; é uma crítica contundente sobre a busca por perfeição e a conformidade, temas que continuam relevantes em qualquer era.


Filme: Feios
Direção: McG
Ano: 2024
Gênero: Aventura/Ficcao científica/Ação
Nota: 8

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.