Em 1936, o cineasta japonês Yasujiro Ozu (1903-1963) demonstrou como a determinação e a criatividade podem superar a falta de recursos. Sua obra “Filho Único” marca a transição para a sonoridade em seus filmes, abordando a complexidade da dinâmica familiar, especialmente em relação à criação de filhos no início do século XX. A narrativa revela a dura realidade de uma mãe solteira, que trabalha em uma tecelagem de seda. Ela sacrifica sua juventude e vitalidade para garantir que seu filho, Ryosuke, possa se concentrar nos estudos e ter oportunidades que lhe foram negadas.
O conceito de sucesso, profundamente enraizado na cultura japonesa, não se resume a acumular riquezas ou a ascender em cargos de prestígio. Essa perspectiva se intensificou após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando o Japão enfrentou desafios ainda maiores, exacerbados pelas consequências do bombardeio atômico em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945. Ao longo do filme, fica evidente a preocupação da mãe com as escolhas que seu filho fará em busca de um futuro melhor.
Mais de oitenta anos depois, essa obsessão por valorizar a virtude, mesmo em meio a adversidades, permanece visível no cinema japonês e em outras produções orientais. O filme “A Sun”, de 2019, dirigido por Chung Mong-hong, um cineasta de Taiwan, exemplifica essa tendência moralista, apresentando uma narrativa rica e complexa, apoiada por maiores recursos financeiros e tecnológicos em comparação com Ozu. Da mesma forma, o sul-coreano “Parasita”, de Bong Joon-ho, e “Assunto de Família”, de Hirokazu Kore-eda, também exploram questões sociais relevantes.
Embora as histórias desses quatro filmes compartilhem uma visão oriental, cada diretor traz um estilo único que enriquece a narrativa. O taiwanês Chung Mong-hong, com sua experiência na busca por independência e democracia, apresenta uma perspectiva que dialoga mais com o cinema ocidental do que com a produção tradicional chinesa. É importante notar que a produção cinematográfica nacional na China é frequentemente limitada pela censura e pela falta de liberdade criativa, o que dá a Chung uma vantagem artística em sua obra.
“A Sun” inicia-se de maneira impactante, rapidamente preparando o espectador para um drama que, embora grave, é intercalado com momentos de humor que tornam a narrativa mais palatável. A pobreza, mesmo em um país considerado próspero, é uma constante, e aqueles que desafiam as normas enfrentam consequências severas. A verdadeira questão, porém, reside na luta interna de cada personagem, refletindo a dualidade da natureza humana. Um pai honesto, A-Wen, enfrenta um dilema moral ao descobrir que seu filho A-Ho foi preso. Ele exige uma punição severa, provocando a ira de sua esposa, Qin. Esse conflito inicia a desintegração da família, que luta para lidar com a vergonha e a dor causadas pela situação.
Ao longo de mais de duas horas e meia, a trama alterna entre o drama familiar e elementos de suspense, revelando o profundo impacto emocional que a tragédia exerce sobre A-Wen, à medida que ele reavalia sua relação com seus filhos. Inicialmente, ele via apenas um deles como digno, enquanto o outro era considerado um estigma. Com a perda do filho preferido, A-Wen é forçado a confrontar seus preconceitos e a reconsiderar seus sentimentos.
A maestria de Chung Mong-hong em “A Sun” nos ensina que o sol, símbolo de justiça, só brilha em ambientes que se abrem para sua luz. Todos, independentemente de sua origem, correm o risco de ficar presos em ciclos de desespero e ignomínia. A verdadeira cura reside no livre-arbítrio e na capacidade de escolha, que permitem ao ser humano transcender suas limitações.
Filme: A Sun
Direção: Mong-Hong Chung
Ano: 2019
Gênero: Drama
Nota: 9/ 10