Ao superar as inquietações filosóficas ligadas à organização dos resquícios biológicos, passando pelas dificuldades iniciais da adaptação escolar – onde os filhos iniciam sua jornada de decisões com certo grau de autonomia –, e sobrevivendo à turbulenta fase da adolescência, que submerge os pais em constante tensão, as mães, aparentemente, encontram um respiro. Observando de longe o desempenho profissional de seus filhos, na esperança de que se consolidem de vez em suas carreiras, elas parecem, finalmente, poder dedicar um tempo a si mesmas e àquelas atividades adiadas ao longo da vida. Mas será que isso realmente acontece? No filme “O Maior Amor do Mundo”, de Garry Marshall, surge uma visão diferente: ao contrário do que se poderia esperar, algumas mães parecem ansiar por se libertar da dependência emocional dos filhos — ou do que essa relação passa a significar na rotina familiar — e, surpreendentemente, essa libertação não é vista como uma tragédia.
Em sua despedida do cinema, Marshall entrega um trabalho irregular, mas profundamente empático, onde investiga com sua característica ternura as dificuldades reais das pessoas em reconhecerem suas próprias fraquezas. O filme explora como a maternidade (e também a paternidade) está entrelaçada com questões mais profundas, como intolerância, frieza emocional e até estupidez. O roteiro, assinado por Marshall e mais quatro colaboradores, lembra a célebre frase de Tolstói: “todas as famílias felizes se parecem; cada família infeliz é infeliz à sua maneira”. As tragédias, sejam grandes ou pequenas, sempre carregam uma exclusividade, e cada indivíduo deve encontrar sua própria maneira de lidar com os ressentimentos que surgem, especialmente daqueles que, paradoxalmente, são amados e odiados ao mesmo tempo.
Marshall sempre teve um talento especial para retratar adultos imperfeitos, muitas vezes desconfortáveis com a própria maturidade. Sandy, por exemplo, é uma mulher de meia-idade que tenta se redescobrir após o fim de seu casamento com Henry. No entanto, quando o ex-marido, interpretado por Timothy Olyphant, se casa com Tina, uma mulher significativamente mais jovem vivida por Shay Mitchell, Sandy se vê tomada pelo ciúme. Embora seja autossuficiente e orgulhosa demais para admitir, seu maior medo é que seus filhos passem a preferir a nova madrasta a ela, um medo que não é de todo infundado. Nesse ponto, Jennifer Aniston surpreende com uma performance que rouba a cena, superando, inclusive, a icônica Julia Roberts, que parece ter sido chamada de última hora para completar o elenco, sem, infelizmente, causar grande impacto.
Roberts interpreta Miranda Collins, uma escritora de best-sellers que acreditava ter feito o sacrifício necessário ao se afastar da filha para focar em sua carreira. No entanto, como costuma acontecer, o destino lhe prega uma peça. Kristin, vivida por Britt Robertson, está determinada a reencontrar a mãe, e um novo afastamento, desta vez proposital, poderia comprometer os planos de Miranda de dominar tanto o show business quanto o mercado editorial. Contudo, ao perceber o potencial midiático de um reencontro público, Miranda é tentada a reconsiderar sua postura, mostrando o quão distante está de uma verdadeira reconciliação emocional.
Esse conflito poderia ter sido o ponto alto do filme, trazendo uma profundidade emocional digna de grandes dramas familiares. Contudo, Marshall, sempre fiel ao seu estilo de criar entretenimento popular, opta por uma abordagem mais leve, o que enfraquece a potência de alguns dos temas abordados. A própria caracterização de Julia Roberts, com uma peruca chanel ruiva, parece uma oportunidade perdida de explorar a falsidade nas relações familiares. Mães, como todos os outros, são seres humanos falíveis, e o filme, apesar de seu título sentimental, só faz sentido quando visto sob uma lente de ironia.
A tentativa de alcançar um público diverso é outro problema que permeia “O Maior Amor do Mundo”. Marshall, talvez ciente de que este seria seu último filme, procurou falar a todos os públicos, mas acabou por não agradar completamente nenhum deles. O filme teria ganhado muito mais força se tivesse focado em um único núcleo familiar, aprofundando-se nas nuances e contradições que definem as relações entre pais e filhos. Ao tentar agradar a todos, ele acaba diluindo o impacto emocional que poderia ter sido muito mais poderoso.
“O Maior Amor do Mundo” é uma reflexão sobre as imperfeições da maternidade e da paternidade, mas, ao mesmo tempo, é um filme que luta para equilibrar o tom cômico e o drama familiar. Marshall, que sempre soube retratar com sensibilidade as falhas e vulnerabilidades humanas, oferece aqui um olhar mais leve sobre essas questões, sem deixar de apontar para o fato de que pais e mães estão longe de serem perfeitos — e que, talvez, o maior amor do mundo seja, na verdade, aprender a aceitar essas imperfeições.
Filme: O Maior Amor do Mundo
Direção: Garry Marshall
Ano: 2016
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 7/10