A maior prisão que alguém pode viver é o medo do que os outros pensam

A maior prisão que alguém pode viver é o medo do que os outros pensam

Não sei que diabos arrumaram no momento de nos fabricarem, mas um negócio saiu bastante errado. Algum pote maligno foi aberto na hora de nossa confecção e dele surgiu uma farinha pegajosa, um ingrediente estragado e malcheiroso, que é a necessidade irrestrita de pertencimento. Não digo apenas pertencer a alguma tribo, isso é não apenas natural como também vital. Digo desejar a aprovação incondicional e permanente de todo e qualquer indivíduo minimamente pensante, ainda que tal coisa vá modificar absolutamente nada no cotidiano.

Uma amiga confessou que se sente péssima porque seu cachorro prefere os outros membros da casa a ela. Seria cômico se não fosse trágico. O cão prefere, inclusive, ficar solitário a ficar em sua companhia. Outra amiga confessou que se sente mal quando vai a alguma festa e ninguém a aborda com o intuito de beijá-la. Perguntei se ela sempre está disposta a beijar alguém e ela disse que nunca, já que não tem costume de ficar com pessoas desconhecidas. Apesar disso, o simples fato de saber que ninguém a abordou faz com que se veja de certa forma rejeitada e chateada.

Essas pequenas demonstrações de sandice ilustram, ainda que toscamente, o quanto o homem tende a carregar dois pesos e duas medidas. Se fizermos uma lista de nossos próprios afetos, perceberemos quantos viventes não nos despertam simpatia alguma. Antinatural, aliás, seria que todos se afeiçoassem a todos em todo momento, numa grande bolha cor-de-rosa. É claro que não é assim. O processo de simpatia é tão natural quanto o de antipatia. As energias, os gostos, as preferências, as impressões iniciais são elementos particulares e tentar atropelá-los em busca de aceitação irrestrita é ignorar o ignorável. Quando se conclui que “o santo não bateu”, evidentemente nada significa além do fato de que… o santo não bateu! A gente complica as coisas demais, inventa dilema demais, sofre à toa demais. Talvez o segredo seja pressupor que o outro tem tanta liberdade para não nos desejar e admirar quanto nós temos para fazer o mesmo. Não sei se idêntico raciocínio poderia se estender ao cachorro, mas presumo que sim.

Como tantas outras pequenezes humanas, talvez o conserto esteja na tomada de consciência sobre diversidade e livre-arbítrio. Não dá para ficar arrasado sempre que houver discordância sobre algum tópico. O autoconhecimento consiste em se manter firme às próprias crenças e fazer daquilo um pilar de sustentação. Se alguém rejeita uma opinião, por exemplo, não significa que esteja rejeitando a pessoa inteira. Se, em alguma festa, ninguém aborda minha amiga, talvez signifique apenas falta de sintonia, ou que todos ali estão comprometidos, ou que simplesmente não estão a fim. Se, porém, a rejeição for da pessoa por inteiro, vale questionar por que e até que ponto aquela negação tem, de fato, alguma relevância.

Enfim, talvez a questão seja enxergar-se como parte de uma engrenagem democrática. A vida é vasta e os gostos, variados. Ainda bem. Que tédio seria ser unanimidade em tudo.