O faroeste moderno da Netflix que vai prender você do início ao fim Divulgação / Netflix

O faroeste moderno da Netflix que vai prender você do início ao fim

O extremo norte da Austrália tem cheiro de testosterona, diz uma das poucas personagens femininas a outra mulher a certa altura de “Territory”, e ela tem razão. Os homens dominam muito mais que a terra e o gado em Marianne, a maior fazenda de pecuária extensiva do mundo, uma criação de Ben Davies e Timothy Lee, fonte de uma interminável disputa por poder que vai muito além da hegemonia econômica. Nos seis episódios, Greg McLean devota-se à construção de personagens de contorno psicológico intricado, tipos aos quais ninguém consegue ficar indiferente. À premissa central, de alta octanagem, Davies e Lee acrescentam subtramas acerca de sucessões resolvidas à bala, espíritos aventureiros e genuinamente livres que passam por cima da onipotência do dinheiro, patriarcas abusivos, insensíveis à dor de seu clã, vícios, tudo amalgamado à paisagem agreste e encantadora de um território sem lei, afinal, “ranchos não são democracias: são reinos”.

Não se faz um bom drama como “Territory” sem personagens imbuídos de um desejo de retaliação, que se atiram sem medo a uma jornada contra quem desestabiliza a harmonia de sua terra mediante um crime e consegue até macular a honra de sua família com o sangue de um inocente. O futuro de Marianne está em xeque. Daniel Lawson, um dos príncipes dessa imensa monarquia, é atacado por uma matilha de cães selvagens numa das primeiras tomadas do primeiro capítulo, a melhor sintetiza o aura beligerante do lugar. O anti-herói de Jake Ryan some na poeira da savana, mas outros muitos outros se levantam, numa narrativa marcada por tensões, segredos e dilemas morais que tocam à vida e à sobrevivência, refletindo sobre quão complexas podem ser as relações humanas. Com cautela, McLean fomenta a primeira grande reviravolta da série, a ser mais destrinchada com mais nuanças no terceiro episódio, quando Colin, o rei do gado de Austrália, faz questão de deixar claro seu dissabor frente a possibilidade de Graham, o filho alcoólatra vivido porMichael Dorman assumir os negócios. A figura austera de Robert Taylor perpassa boa parte da história, e no final, ainda também ele sofra, todos sentimo-lhe uma justíssima raiva. Momento em que “Territory” fica inegavelmente parecida com “Dallas” (1978-1991), o memorável dramalhão de David Jacobs (1939-2023) exibido pela CBS. Como diria o Velho Guerreiro, na televisão, nada se cria, tudo se copia. “Territory” é um pastiche bem-feito do que a indústria vem apresentando há meio século, ainda que com boas inovações tecnológicas e excelentes tiradas sobre a força do tal agro, cada vez pop.


Série: Territory
Direção: Greg McLean 
Ano: 2024
Gênero: Drama 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.