Aplaudido por 8 minutos no Festival de Berlim, filme indicado a 218 prêmios e vencedor do Oscar, com Ethan Hawke, está na Netflix Divulgação / Universal Pictures

Aplaudido por 8 minutos no Festival de Berlim, filme indicado a 218 prêmios e vencedor do Oscar, com Ethan Hawke, está na Netflix

“Boyhood: Da Infância à Juventude” é uma obra ousada que desafia o público a acompanhar, em menos de três horas, o trajeto de um garoto de seis anos até sua entrada na vida adulta. A ambiciosa criação de Richard Linklater não exigiu um orçamento exorbitante — foram apenas US$ 4 milhões que renderam uma bilheteria quinze vezes maior —, mas o projeto consumiu tempo e uma equipe incansável, somando doze anos de trabalho contínuo, o que representa 4.200 dias dedicados à execução de uma visão singular.

Conhecido por experimentar com a passagem do tempo, Linklater já mostrava essa inclinação em sua trilogia iniciada por “Antes do Amanhecer” (1995), seguindo com “Antes do Pôr do Sol” (2004) e concluindo com “Antes da Meia-Noite” (2013). Essas produções delineiam a trajetória de um casal ao longo dos anos, revelando a ambição do diretor em explorar o fluxo do tempo como um elemento essencial da narrativa. “Boyhood” surge desse mesmo impulso criativo, consolidando Linklater como um artista em busca de expressar a eternidade da experiência humana.

No centro dessa realização está Ellar Coltrane, cuja dedicação ao projeto foi fundamental. O jovem ator aceitou o compromisso de gravar algumas semanas por ano, durante um período de mais de uma década, para compor o retrato de um menino texano enquanto ele próprio amadurecia. Como uma espécie de Ulisses moderno, Coltrane embarca em uma jornada que não se limita à atuação; sua própria vida foi moldada pelo desafio de abdicar de momentos da infância e da adolescência, como brincar com os amigos ou faltar aulas, para manter a coerência e o desenvolvimento de seu personagem. À medida que avançava na maturidade, Coltrane assimilava as nuances de seu papel, transformando uma exigência prática em uma experiência de crescimento pessoal.

O enfoque inovador de Linklater na forma narrativa, no entanto, não introduz temas inéditos. A dinâmica entre membros de uma mesma família e as complexidades dos laços afetivos são abordagens recorrentes em outros filmes, séries e livros, como exemplificam “Fanny e Alexander” (1982) e “Cenas de um Casamento” (1974), ambos de Ingmar Bergman, mestre em retratar dramas familiares. Também se encontram em “Éramos Seis” (1994), de Nilton Travesso, e na épica obra “Anna Kariênina” (1877), de Liev Tolstói, cuja abertura carrega uma das mais icônicas reflexões sobre a felicidade familiar. Mesmo sem inaugurar um tema novo, o valor de “Boyhood” reside na habilidade de Linklater em transformar o comum em extraordinário, mesclando o banal e o sublime em um retrato tão íntimo quanto universal da vida.

Acompanhamos Mason, o protagonista, avançando no tempo sem que isso seja sublinhado explicitamente, um dos aspectos que torna o roteiro singular. Ethan Hawke e Patricia Arquette, que interpreta Olivia, uma mãe de alma vulnerável e perseverante, também entregam atuações profundas. O papel de Arquette lhe rendeu um Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante, reforçando o impacto emocional do filme. Coltrane, ao amadurecer diante das câmeras, revela ao público o percurso de um menino que enfrenta o crescimento com a inevitável dose de incertezas e esperanças, como qualquer um de nós.

A longa duração de “Boyhood” pode parecer um obstáculo, mas, repleto de referências à cultura pop e embalado por uma trilha sonora que dialoga com a época, o filme proporciona uma imersão única em um túnel do tempo emocional. Conforme os anos passam, o que realmente vale ser lembrado persiste, numa experiência que ressoa mesmo após os créditos finais.


Filme: Boyhood: Da Infância à Juventude
Direção: Richard Linklater
Ano: 2014
Gêneros: Drama/Coming-of-age
Nota: 10