A obra-prima escondida na Netflix que vai derreter seu coração e exigir uma caixa de lenços do lado Chen Hsiang Liu / Netflix

A obra-prima escondida na Netflix que vai derreter seu coração e exigir uma caixa de lenços do lado

Deixar para trás a terra natal, onde os primeiros passos, amores e decepções acontecem, e partir em busca de uma vida diferente em outro lugar, frequentemente mais difícil e árido, transforma qualquer um num exilado dentro de si mesmo. Ir para um novo destino, levando pouco além da coragem e da vontade de superar, traz consigo o temor silencioso de que, se tudo der errado, o retorno será inevitável e repleto de desânimo e arrependimento, até mais do que na partida. Persiste um ressentimento quase vergonhoso pelo lugar de origem, que, apesar de todas as frustrações, mantém um pequeno traço de afeição. Mesmo que a memória da paisagem familiar se reduza a uma imagem esquecida, como retratou Drummond ao evocar Itabira, o sentimento de pertencimento inicial continua ali, numa espécie de nostalgia do que poderia ter sido diferente.

Alan Yang vivenciou esse lado agridoce da vida de imigrante de maneira indireta, numa época anterior às redes sociais que poderiam atenuar a saudade e reduzir o preconceito nascido da falta de informação. Como diretor e roteirista, ele buscou inspiração em sua experiência como filho de imigrantes para criar “Tigertail”, sua estreia como cineasta em 2020. Carregado de lirismo e nuances pessoais, o filme se alimenta das memórias que Yang tem das histórias de seu pai — que na América adotou o nome Peter — e do que significava viver num país estranho, sempre marcado pela sensação de não pertencer. Peter trocou Taiwan pelo Bronx, em Nova York, em busca de uma alternativa ao trabalho rural que conhecia. Num cubículo, ele e a mãe, que sozinha sustentou os filhos em uma fábrica de açúcar, vislumbraram outra vida, ainda que nos níveis mais baixos da sociedade americana, sem nunca imaginar que essa história um dia seria contada numa grande produção cinematográfica.

Embora similares, as trajetórias de Peter e do personagem principal de “Tigertail” têm suas particularidades. Pin-Jui, interpretado por Tzi Ma, deixa Taiwan com pequenos recursos, mas não sozinho. O filme de Yang é estruturado com idas e vindas no tempo, logo introduzindo o protagonista ainda menino, correndo por vastos campos de arroz, à procura da mãe, que o deixou com os avós em busca de trabalho na cidade. De volta ao lar, ele é escondido dos soldados de Mao Tsé-tung, pois não possuía certidão de nascimento, um reflexo das tensões que levaram Taiwan à independência da China em 1949. A ligação forte com a avó — cuja recomendação de nunca chorar em público molda sua vida, para o bem e para o mal — fornece a base para uma existência solitária e desamparada.

No enredo, Yang inicialmente ameniza a solidão de Pin-Jui ao apresentar o chefe que oferece o casamento com sua filha Zhenzhen, interpretada na juventude por Kunjue Li. Ainda que seduzido pela oportunidade, que inclui apenas uma passagem para os Estados Unidos e fundos limitados para um lar modesto, Pin-Jui, vivido por Lee Hong-chi, sente um estranhamento que permeia toda a narrativa. A conexão dele com Zhenzhen é limitada, mas é Yuan quem verdadeiramente ocupa seu coração. Embora Yo-hsing Fang apareça brevemente, sua presença é impactante, particularmente na sequência em que, após um jantar às margens de um rio, os dois se descobrem no amor. Yang captura essa lembrança com uma delicadeza que evoca sentimentos universais de juventude e descoberta.

O casamento de Pin-Jui e Zhenzhen, por sua vez, rapidamente se desgasta, e Yang aprofunda a história ao explorar Angela, a filha nascida nos Estados Unidos. Angela, interpretada por Christine Ko, simboliza o paradoxo do protagonista: bem-sucedida, mas emocionalmente fragilizada. Com flashbacks reveladores, Yang mostra um recital em que Angela comete um erro e é reprovada pelo pai, que relembra suas dificuldades para sobreviver e se destacar no Ocidente. Este descompasso emocional leva Zhenzhen, na maturidade interpretada por Fiona Fu, a pedir o divórcio. Nem mesmo o reencontro com Yuan, agora uma mulher refinada vivida por Joan Chen, traz consolo a Pin-Jui; ele percebe que seu tempo com Yuan pertence ao passado e não pode ser revivido.

A sensibilidade de Yang atinge seu ápice no fechamento do filme, com pai e filha encerrando um ciclo de vidas marcadas por idas e vindas. Com seu enredo reflexivo e sensível, “Tigertail” emerge como um relato épico da recente cinematografia asiática. Em futuras produções, se aprimorar a escolha de elenco, Yang poderá se tornar uma das figuras marcantes de sua geração, comparável a cineastas icônicos como Kurosawa.


Filme: Tigertail  
Direção: Alan Yang
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 9/10