Em 1966, uma forte chuva matou trezentas pessoas e deixou outras duas mil desabrigadas no Rio de Janeiro. Trinta anos depois, o drama se repete — e outras muitas vezes, aliás —, e algumas das vítimas são os moradores de um asilo caindo aos pedaços, atendidos por uma bombeira que luta contra seu passado. “Abraço de Mãe”, o novo trabalho do argentino Cristian Ponce, é feito de altos e baixos, e em cada um desses momentos o diretor destaca alguma coisinha a que o espectador deve se ater.
Rodado no Rio, “Abraço de Mãe” concentra-se numa protagonista carismática para chegar a assuntos indigestos, como abandono afetivo e doença mental, de uma forma oblíqua, compactando tudo numa metáfora sobre monstros que deixam seus tugúrios para azucrinar a vida dos homens. O problema é que boa parte do que se pretende contar fica perdido em meio à necessidade de se desenvolver o argumento central do roteiro de Ponce, Gabriela Capello e André Pereira, o que leva a história por uma cadência arrastada, indesejável para um conto de terror à H.P. Lovecraft (1890-1937).
Um incêndio acaba com a casa em que Ana mora. Pouco antes, a garota toma um suspeito copo de leite e vai com a mãe a um parque de diversões da vizinhança, e então a narrativa passa a uma segunda fase igualmente confusa, com Ana ostentando a patente de cabo do Corpo de Bombeiros, decerto respondendo a esse malresolvido trauma de infância, mas há lembranças que marcam como o fogo. Ela já havia sido afastada por um bloqueio emocional que a impedira de realizar suas funções, colocando sua vida e a dos colegas em risco, mas convence seu superior a deixá-la retornar.
Ana e sua guarnição, composta pelo subtenente Dias, interpretado por Val Perré, e os cabos Roque, vivido por Reynaldo Machado, e Mourão, de Rafael Canedo, chegam ao número 1.113 da rua do Bonfim, em São Cristóvão, bairro da Zona Norte carioca. São recebidos entre a falsa hospitalidade do administrador e a franca ojeriza da proprietária, mas isso não é nada perto do que vem depois.
Depois de desse segundo ato cansativo, o filme comeca a dizer a que veio, com Ana num esforço hérculeo para remover os internos antes que a torrente fique ainda mais forte e aquele mausoléu desabe de vez. Enquanto luta sozinha, já que seus companheiros somem sem explicação, Ana vira e mexe se depara com estranhas manifestações que parecem querer puxá-la para o dia em que sua vida foi brutalmente apartada de sua vontade, tendo de dedicar-se também a Lia, uma menina que se esconde dos velhos. Marjorie Estiano segura toda essa balbúrdia, e as cenas com Maria Volpe, claro, dão a leveza que se espera no desfecho. É pena que “Abraço de Mãe” demore tanto para dar seu recado.
Filme: Abraço de Mãe
Direção: Cristian Ponce
Ano: 2024
Gêneros: Terror/Suspense
Nota: 7/10