Ignorado pela crítica e pelo público, obra-prima de Marjane Satrapi é um dos melhores filmes da história da Netflix Divulgação / Netflix

Ignorado pela crítica e pelo público, obra-prima de Marjane Satrapi é um dos melhores filmes da história da Netflix

Nos momentos finais do século XIX, ser mulher significava, para muitas, uma vida sem reconhecimento ou uma constante e desgastante batalha por direitos fundamentais que a sociedade reservava apenas aos homens. Nesse contexto, algumas mulheres aceitavam as funções tradicionais de mãe e esposa, devotando-se ao lar e ao companheiro com uma submissão inquestionável. Contudo, outras se recusavam a acatar passivamente os papéis limitados que lhes eram impostos. Elas rejeitavam as normas restritivas, traçando caminhos próprios, numa busca por definir o que poderiam vir a ser, desafiando as convenções com coragem e visão.

Maria Salomea Skłodowska (1867-1934), mais conhecida como Marie Curie após seu casamento com o físico Pierre Curie, pertenceu a essa última categoria de mulheres que ousaram se destacar. Em uma época em que o mundo científico era cruelmente fechado para as mulheres, Marie construiu uma trajetória independente, mesmo apoiando-se na colaboração do marido para superar as barreiras de um ambiente misógino. Sob a direção da cineasta Marjane Satrapi, “Radioactive” aborda a vida complexa de Curie, recusando uma abordagem glorificadora e explorando as grandes controvérsias que marcaram sua trajetória. Estruturalmente ousado, o filme combina flashbacks e flashforwards de maneira que desafia os mais puristas, mas sua franqueza e o calor humano que emerge em cada cena revelam uma protagonista honesta e fascinante.

Rosamund Pike encarna Marie Curie com intensidade, como uma cientista cujo gênio e sensibilidade coexistem. Com sua personalidade ao mesmo tempo apaixonada e vulnerável, Curie se transforma em uma figura única, moldada por sua dedicação à ciência e por seu amor inabalável por Pierre, que aparece como apoio em sua jornada, até mesmo em momentos espirituais. Pike confere à personagem uma dimensão emocional que alia o intelecto à paixão, uma complexidade que a atriz expressa com destreza, como já demonstrado em “Garota Exemplar” (2014), “Eu Me Importo” (2020) e “Educação” (2009). A dinâmica com Sam Riley, que interpreta Pierre Curie, embora significativa, perde espaço à medida que a narrativa se foca em Marie, culminando na tocante fase em que ela e sua filha Irène, vivida por Anya Taylor-Joy, operam máquinas de raios-X na Primeira Guerra Mundial, auxiliando na preservação de vidas no campo de batalha.

Explorando temas feministas e os avanços do raio-X, “Radioactive” ilumina um período conturbado da vida de Curie, no qual ela foi alvo de críticas ferozes por conta dos perigos dos elementos radioativos que estudava. Mesmo diante das adversidades, Curie permaneceu na França, lutando pelo seu espaço até o fim de seus dias. Em 1934, aos 66 anos, ela faleceu de anemia aplásica, uma doença rara decorrente da exposição ao rádio e ao polônio, elementos cuja descoberta representou uma revolução científica, mas que, ironicamente, também a condenaram.


Filme: Radioactive
Direção: Marjane Satrapi
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 9/10