Os segredos guardam o poder de proteger, mas viver em constante ocultação é uma carga que ninguém suporta por completo. Em um universo onde cada revelação carrega riscos, a fronteira entre o que deve ser exposto e o que precisa permanecer escondido define quem sobrevive. Contudo, existem mistérios tão profundos que escapam ao controle até mesmo dos mais reservados, e é justamente essa tensão que impulsiona “Jason Bourne”. Embora a narrativa se desenrole como um thriller envolvente, no centro da história pulsa o dilema humano: a busca pela identidade perdida de um homem assombrado por um passado que insiste em não deixá-lo seguir em frente.
Na conclusão da série, Paul Greengrass, responsável por reviver o personagem em momentos decisivos da franquia, mais uma vez investiga as feridas mal cicatrizadas de David Webb, a verdadeira identidade de Bourne. Webb, um ex-agente de elite, carrega um legado de traumas e perdas que moldaram sua existência, empurrando-o para escolhas moralmente ambíguas. Em colaboração com Christopher Rouse, com quem divide o roteiro, Greengrass se inspira nos romances de Robert Ludlum (1927-2001) para costurar uma narrativa que revisita o percurso emocional dos cinco filmes anteriores, iniciando com um prólogo que sugere que, na realidade de Bourne, o mundo é um lugar onde a vigilância constante é a única defesa contra consequências devastadoras.
A crueldade assume muitas formas e, frequentemente, vem disfarçada sob a aparência de aliados. Jason Bourne descobre que nem mesmo ele está imune aos ataques invisíveis de lobos em pele de cordeiro. A cada passo em falso, essas figuras predadoras aguardam o momento certo para devorar qualquer traço de humanidade que lhe reste, transformando a existência em uma batalha mecânica, desprovida de laços e emoções genuínas. Bourne já enfrentou essa travessia desoladora, emergindo como alguém que sobrevive, mas não vive — um sobrevivente com as cicatrizes de quem aprendeu que confiar é uma fraqueza perigosa.
O personagem, introduzido em “A Identidade Bourne” (2002), dirigido por Doug Liman, começou sua jornada como um homem hesitante, confuso e perdido. À medida que compreende sua condição como um nômade forçado a vagar sem raízes ou vínculos, Bourne se adapta a essa nova realidade, enfrentando lutas e desafios com uma frieza crescente. Em “Jason Bourne”, ele é encontrado no remoto deserto de Tsamantas, na fronteira entre Grécia e Albânia, dependendo da ajuda de Nicky Parsons, uma aliada hábil em operações cibernéticas, interpretada por Julia Stiles.
Bourne, sem o charme sofisticado de um James Bond, mantém-se fiel ao pragmatismo bruto. Desta vez, ele busca informações sobre o projeto “Treadstone”, uma operação liderada por seu próprio pai, Richard Webb, interpretado por Gregg Henry. No entanto, Robert Dewey, o implacável diretor da CIA vivido por Tommy Lee Jones, parece determinado a frustrar cada movimento de Bourne, minando seus planos a qualquer custo. Enquanto isso, a ação se alterna entre a fronteira europeia e Langley, na Virgínia, sede da CIA, onde Heather Lee, uma funcionária ambiciosa interpretada por Alicia Vikander, enfrenta a invasão de dados sigilosos de seus sistemas.
A narrativa se desenrola por diversas cidades — Roma, Paris e Atenas — conforme Greengrass conduz o público por uma intrincada rede de conspirações. Vikander ganha destaque ao encarnar uma personagem complexa, cujas motivações orbitam em torno de Bourne, adicionando profundidade ao enredo. Ao final da série, Matt Damon encerra sua participação de maneira que ecoa o início da franquia, transmitindo uma mensagem clara: “o tempo de Jason Bourne parece ter chegado ao fim”. No entanto, essa despedida não é melancólica — é um encerramento que sugere que, às vezes, deixar o passado para trás é a única forma de encontrar a paz.
Filme: Jason Bourne
Direção: Paul Greengrass
Ano: 2016
Gêneros: Drama/Thriller/Policial
Nota: 8/10