No mundo ideal, famílias só começariam depois de observados alguns passos elementares. Duas pessoas solteiras, adultas, independentes e desarmadas se conheceriam, passariam dias em conversas tão ridículas quanto imprescindíveis, trocariam beijos, carícias, firmariam compromisso e, só então, pensariam em filhos — que talvez não viessem. Na vida como ela é, entretanto, o estado intermedeia o encontro daqueles que, por uma ou outra razão, cumpridas ou não essas etapas, não alcançam o sonho da maternidade e da paternidade, e, finalmente, um núcleo familiar nutrido por correntes de genuíno afeto, acima até mesmo do onipresente sangue, estaria pronto. A estranheza de “Mama”, a estreia do argentino Andy Muschietti, sob as bênçãos de ninguém menos que Guillermo del Toro, é um sofisticado conto de terror sobre mulheres, suas lutas, paranoias e necessidades, conquistando espaços que muita gente jamais imaginaria há cerca de meio século.
Um pouco à Almodóvar, o roteiro de Muschietti, sua irmã, Barbara, e Neil Cross move-se em torno de um casal jovem e algo maldito, com uma guitarrista de banda de rock e um escritor acossados pela necessidade de cuidar de duas crianças, sobrinhas dele, e a vontade da moça de continuar livre, o que dá azo a um conflito aparentemente sem solução. Aparentemente.
Ter filhos é a maior aventura a que alguém pode se lançar, e por eles decerto se aprende logo que a fronteira do tolerável vai se alargando quase indefinidamente, até que outra vez comecem as pequenas chantagens, os berros estridentes, as tentativas frustradas de convencimento, para o banho, para a alface, a observação preocupada do que entra e, principalmente, do que sai da criança, prazeres de que mães e pais, nessa ordem, não abdicam e dizem ser o Céu na Terra. Depois de vencer as metafísicas preocupações quanto à consistência dos detritos fisiológicos; as agonias da adaptação à escola, o primeiro ambiente em que os filhos passam a responder por suas próprias escolhas com alguma autonomia; a batalha inglória e quase trágica da adolescência; a incerteza quanto a ter feito um bom trabalho, observando de longe (mas não muito) o desempenho profissional dos eternos pimpolhos, torcendo e rezando para que se firmem na carreira de uma vez por todas, as mães gozam de algum respiro para, afinal, cuidar de si mesmas e fazer boa parte das coisas que foram protelando durante a vida. Será mesmo?
Desaparecidas após a morte do pai, Victoria e Lilly são encontradas vivendo isoladas em uma cabana anos depois. As duas são resgatadas e levadas para viver com Lucas, o tio, irmão gêmeo do morto, e passam a adotar um comportamento antissocial, que só arrefece diante de Mama, a entidade sobrenatural que cuidou delas até ali. Com parcimônia, Muschietti entra na confusão que as meninas provocam na pretensa harmonia entre Lucas e Annabel, sua esposa, e Nikolaj Coster-Waldau e Jessica Chastain vão até o desfecho roubando a cena, ainda que Megan Charpentier e Isabelle Nélisse saiam-se muito bem para um primeiro trabalho tão absorvente e exaustivo.
Filme: Mama
Direção: Andy Muschietti
Ano: 2013
Gêneros: Terror/Ação
Nota: 8/10