Em 4 de agosto de 1998, o Brasil parou. Veículos de imprensa de todos os matizes ideológicos dedicavam-se à cobertura da prisão de Francisco de Assis Pereira, um assassino em série que arrastava garotas para uma clareira do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, o Parque do Estado, na zona leste de São Paulo. Até que a Polícia Civil paulista chegasse à conclusão que o matador dividia uma de suas identidades com Chico Estrela, um patinador diletante que costumava correr o Ibirapuera e oMinhocão em dias de pouco movimento, passaram-se semanas, ao longo das quais o criminoso ia ganhando a vida como motoboy de uma empresa de entrega de documentos, onde também morava. Velocidade, miséria e relacionamentos frustrados fizeram de Pereira o Maníaco do Parque, perfilado com pompa e aura de celebridade no filme de mesmo nome de Mauricio Eça, um trash daqueles, na acepção literal do vocábulo.
As excelentes performances não têm o condão de salvar o filme de preferências estéticas canhestras, o que inclui grafismos espalhafatosos, fotografia sempre escura demais e trilha sonora que só faz perpetuar o “mito”, o típico psicopata cheio de traumas malresolvidos que misturam uma infância pobre e negligenciada com abuso sexual, este um padrão que reproduziu com as onze mulheres que massacrou. O que igualmente se observa em “A Menina que Matou os Pais” (2021), também de Eça, uma leitura complacente de Suzane von Richthofen, mentora de um dos crimes mais escabrosos da longa história criminal do Brasil.
No prólogo, Chico Estrela dá uma prova da metamorfose que está por vir ao deixar um rastro vermelho na pista do Ibirapuera, na mais grotesca das demonstrações do mau gosto imanente do filme. Chico figura como um astro pop em meio a adolescentes talvez faltos de bons exemplos como ele fora um dia, dando entrevistas a estudantes de jornalismo, decerto o primeiro grande deslize de uma personalidade vaidosa e egocêntrica, de que Eça sabe tirar proveito. Em “Maníaco do Parque”, L.G. Bayão, roteirista de sucessos da filmografia nacional como “Minha Fama de Mau” (2019), dirigido por Lui Farias; “Kardec: A História por Trás do Nome” (2019), levado à tela por Wagner de Assis; e “Irmã Dulce” (2014), de Vicente Amorim, erra a mão nas cenas em que o protagonista deve insinuar sua vulnerabilidade diante de um mundo que de fato o oprime, e Pereira surge como uma espécie de easy rider na última fronteira da loucura, precisando achar outras válvulas de escape para seu fracasso existencial. Assim, na visão de Eça e Bayão, começam os assassinatos, combatidos por Elena, uma jovem repórter ingênua, estimulada por seu editor — mas não para o que ela tinha em mente.
O realismo das sequências em que os policiais encontram as ossadas das vítimas submerge depois de algum tempo, da mesma forma que os lances da fuga de Pereira para o limite entre o Brasil e a Argentina não chega a ser nada cinematográfico. Na pele do assassino, Silvero Pereira contorna o tédio do personagem ao ser capaz de emprestar humanidade a uma fera imprevisível, ao passo que a Elena de Giovanna Grigio, bem mais inconstante, revela-se no otimodesfecho, um cara a cara com seu Maníaco.
Noves fora, este trabalho de Eça é uma louvação um tanto vexatória a um dos delinquentes mais abjetos a terem ocupado a crônica policial, cuja liberdade pode ser obtida em agosto de 2028, graças ao ultrapassado Código Penal Brasileiro, que determina em trinta anos a pena máxima de um detento. Ou seja, pode haver um “Maníaco do Parque 2”, estrelado pelo próprio, por que não?
Filme: Maníaco do Parque
Direção: Mauricio Eça
Ano: 2024
Gêneros: Suspense/Terror/Policial
Nota: 6/10