Que a vida é um jogo todos sabemos. Há fadas, cavaleiros, mártires, bruxos, figuras mais ou menos aparentadas com o que chamamos de mundo real, uma sucessão de delírios muitas vezes mais fantasiosos do que a imaginação recomenda. Contudo, a família de Jérôme e Marie, um professor do ensino médio e uma advogada da Paris de 2024, levou muito a sério a máxima, e embarcou numa viagem para algum lugar da França medieval, onde terão de enfrentar as criaturas monstruosas que conheciam apenas sob uma ótica lúdica. Baseado no jogo de tabuleiro de Philippe des Pallières e Hervé Marly, o trunfo de “Lobisomens” é preservar a emoção de descobertas e, quiçá, trazer de volta as lembranças de tempos pré-redes sociais, quando as pessoas tinham mais tempo para sonhar. O diretor François Uzan e seus corroteiristas, Céleste Balin e o próprio Marly, refazem a magia de uma era há muito levada pela bruma corrosiva do passar dos anos, e mesmo aqueles sem muita intimidade (ou muita paciência) com esse universo acaba se divertindo.
Apenas Jérôme ainda se deixa envolver pela graça da brincadeira, cujas peças são guardadas numa caixa de madeira com belos entalhes na tampa. De qualquer forma, todos sentam-se à mesa para jogar, mas só enquanto não chega a hora da transmissão ao vivo pelo Instagram ou nenhuma outra urgência se anuncia, e vão se deixando tomar pelo espírito de congraçamento. Quando não há mais jeito e cada qual toma seu rumo, as cartas voltam para o fundo do caixote e a casa treme. Jérôme, Marie e os filhos, Clara, Theo e Louise, além de Gilbert, pai de Jèrôme, um septuagenário lutando contra o Alzheimer, vão parar em 1497, mais precisamente num vilarejo onde licantropos têm atacado a população local. Exatamente como no jogo, o sexteto só terá sua vida outra vez caso seja capaz de matar os lobisomens — e um deles está mais próximo do que eles gostariam.
Decerto o mais estimulante no filme é observar as tantas diferenças entre nossos costumes, não raro tidos por selvagens, e o verdadeiro atraso da civilização de cinco séculos atrás, com perseguições a garotas de dezessete anos que mantinham-se solteiras ou gente como o alquimista vivido por Bruno Gouery, que entrega sua predileção por outros homens no momento em que Jérôme, o vidente telepata do jogo, aproxima-se dele. Franck Dubosc comanda o núcleo adulto com versatilidade a toda prova, em boas parcerias com Suzanne Clément e o veteraníssimo Jean Reno, na pele de Gilbert, o pai do personagem de Dubosc, a grande mancada da escalação. No mais, “Lobisomens” é entretenimento seguro para família, que, de novo, agrada também aos que, como o rabugento Gilbert, detesta essas interações.
Filme: Lobisomens
Direção: François Uzan
Ano: 2024
Gêneros: Comédia
Nota: 8/10