A vida seria uma inútil maravilha se, de tempos em tempos, não tivéssemos um rasgo de certeza quanto às incontáveis questões que fustigam o gênero humano. Conforme os anos se sucedem, mais a ideia de que tudo converge para um irremediável fim toma vulto, já que o plano físico, por mais amplo e até elástico que pareça, com sua ciência aplicada, firme no intuito de prolongar a vida do homem ad aeternum, é e sempre continuará a ser limitado. “Blue Cave” é sobre o amor, mas é também sobre o passar do tempo e a maturidade — variações sobre um mesmo tema, que não necessariamente convergem para a mesma direção. O filme de Altan Dönmez impõe-nos a lucidez do raciocínio que prega a importância fundamental de achar no mundo um lugar que seja nosso, nosso e de mais ninguém, por mais genuíno que seja o sentimento amoroso, tendo claro que esse lugar não é um feudo, hereditário, imutável, sem fim, já que a própria vida não é nenhuma dessas coisas, e tampouco é sempre pacífica, idílica, plácida (e na maior parte da jornada é exatamente o oposto disso). Na verdade, a lúdica empreitada de viver jamais deixa de condicionar-se aos muitos desvios que o próprio existir trata de planejar com o capricho de que nunca seremos capazes — o que só torna nossa pequenez tanto mais irrefutável.
Viver é o princípio de uma caminhada longuíssima, percurso bastante acidentado rumo à dimensão de que não sairemos mais e na qual ingressamos ao cabo de experiências as mais diversas. Assaltam-nos todos os nefastos pensamentos, colhe-nos a desdita, a tragédia se lança sobre nós com sua fúria habitual, mas entraria na conta de um absurdo espantoso se, por outro lado, também não tivéssemos o gosto, por meio ilusório que fosse, da felicidade possível, essa companheira pouco fiel e nada lhana, com que nos acostumamos ainda em tenra idade, ansiando pela vinda da plena ventura. O roteiro de Kerem Bürsin e Osman Kaya gira em torno de Cem, um oficial da Marinha turca em missão no litoral da Croácia, onde fica a Caverna Azul do título, uma dimensão qualquer entre o Céu e a Terra, e Alara, uma museóloga radicada em Vis, uma cidadezinha por ali. Os dois, claro, não demoram a se conhecer e a se apaixonar, depois do flerte desastrado num restaurante, cada qual com sua roda de amigos. Tudo é formulaico (e encantador) em “Blue Cave”, a começar por Bürsin e Devrim Özkan, o casal que protagoniza o longa, uma reflexão sobre as trapaças do destino e a morte, sempre avassaladora, até (ou principalmente) quando se ama. Ao cabo de 88 minutos, “Blue Cave” confirma que tudo no cinema turco é mais bonito. Inclusive a finitude.
Filme: Blue Cave
Direção: Altan Dönmez
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Romance
Nota: 8/10