Uma mulher jovem e bonita viaja sozinha por um lugar inóspito, até que a velha caminhonete emprestada do noivo sofre uma pane e ela é obrigada a encostar. Por essa brevíssima sinopse, é possível deduzir boa parte do que acontece em “Terror na Estrada”, uma história particularmente engenhosa sobre os perigos da condição feminina, mas não só. Sem muita volta, Iain Softley conduz seu filme por um caminho pedregoso, repleto de armadilhas semânticas, todas mirando Mallory Rutledge, a protagonista de Julianne Hough. Nove décimos do roteiro de Kimberly Lofstrom Johnson e Lee Patterson se traduzem nas cenas em que Mallory primeiro demonstra sua louvável independência, para depois Softley abrir mais o arco e desnudar uma questão bastante incômoda de sua anti-heroína, a brecha por onde se instala o mal que vai atormentá-la até o desfecho, surpreendente e, quiçá, feliz.
Depois do introito em que aparece falando ao telefone com a irmã, Ella, de Penelope Mitchell, sobre seu casamento próximo, o painel da caminhonete acusa um superaquecimento no motor. Ela para, e, algo segura do que está fazendo, começa a revolver as entranhas do carro, até voltar ao volante, dar a partida e ver que o buraco era mais fundo do que imaginava. Ela olha o imenso diamante da aliança, que atira dentro do porta-luvas, saca uma lata de refrigerante, que não percebe estar quente (!), e rompe o lacre, fazendo com que o líquido avance sobre ela como a lava de um vulcão. A moça pula do banco e vai até o porta-malas em busca de uma camisa seca, e enquanto se troca, um homem surge do nada. Mesmo que qualquer um concorde quanto ao inconveniente da situação — e, de novo, se possam prever os acontecimentos seguintes —, ninguém há de dizer que não fica entusiasmado diante de um possível flerte entre Mallory e Christian, o sujeito bem-apessoado e (sem camisa) que se oferece para providenciar um conserto paliativo até que a motorista chegue a uma oficina mecânica. É o que acontece, e no momento em que entra e, agora, pode, afinal, sair, olhando a silhueta de seu providencial ajudante pelo retrovisor, ela acaba cedendo a seus instintos mais secretos e o leva consigo.
Logo após esse ponto, quando Christian permite-se tecer comentários chulos acerca de Mallory — não que ela não estivesse doida para corresponder a suas investidas; ela só queria que as coisas seguissem o protocolo —, “Terror na Estrada” faz justiça ao nome e torna-se um estimulante conto kinguiano sobre sexo, perversão e poder, especialmente depois que, numa manobra bastante arriscada, ela decide jogar o carro num despenhadeiro, conseguindo apenas prender a perna nas ferragens. Christian permanece na vida dela, indo e vindo como um espectro diabólico, instigando Mallory a fazer a difícilima escolha que deixa o filme bem parecido com “127 Horas” (2010), de Danny Boyle. O personagem de Teddy Sears, sobre-humanamente frio, proporciona uma tensão de natureza oposta à concentrada em Hough, e o enredo vai assim até o último segundo, com uma virada que envolve outros dois personagens atacados por Christian entre uma e outra visita ao barranco onde Mallory clamava pela morte. Softley faz com que o público aceite tomar parte nessa dança funesta, torcendo pela mocinha, mas mesmerizado por um psicopata astuto e sedutor, que experimenta do seu próprio veneno na hora certa.
Filme: Terror na Estrada
Direção: Iain Softley
Ano: 2015
Gêneros: Terror psicológico/Suspense
Nota: 8/10