Alemães entendem de fim do mundo como poucos. O alemão é considerado um povo disciplinado, ainda que fã de uma boa cerveja, contido — ao menos até que se depare com um assunto capaz de despertar paixões e controvérsias. O cinema que desde sempre se faz na Alemanha é plural, cheio de exemplos que ultrapassam qualquer estereótipo ligeiro que se queira nutrir. As histórias tedescas já levadas à tela grande refletem, em grande parte a índole de seu povo, por óbvio, mas povo nenhum é uma só coisa nem pode ser resumido a um único comportamento. O cinema da Alemanha, seja rodado no país, seja baseado no modo de vida de sua gente, nunca se permitiu restringir a temas políticos, mas o nazismo é, decerto, uma das grandes inspirações de cineastas como Moritz Mohr, o diretor do excelente “Contra Todos”, uma distopia bastante idiossincrásica. Mohr e os corroteiristas Tyler Burton Smith e Arend Remmers tecem uma crítica tão acerba quanto pertinente à sociedade do espetáculo, à imprensa e a um certo desalento que perpassa a vida de jovens de todas as origens, presas fáceis de um sistema espúrio e destrutivo.
Um garoto sem nome lembra com saudade o tempo em que tomava café da manhã com a família, todos devorando uma caixa de Frosty Puffs, o cereal açucarado que agora patrocina o regime totalitário responsável por sumir com os insatisfeitos. O anti-herói justiceiro de Bill Skarsgård busca vingança depois de ter a família assassinada, um crime orquestrado, como se vai ver depois, por Hilda Van Der Koy, uma líder que tirou a cidade do povo e criou o Abate, uma manifestação distorcida para instigar o medo nas pessoas. Boy, como Mohr o chama, está enterrado numa floresta, comendo percevejos por um caniço, até que resolve ser um grande guerreiro, sem esmorecer nunca. A aura niilista de “Contra Todos”, galvanizada por uma figura jovem e disruptiva, em quase tudo se assemelha a “Laranja Mecânica” (1972), o clássico de Stanley Kubrick (1928-1999) baseado na sátira apocalíptica publicada por Anthony Burgess (1917-1993) em 1962. Talvez a grande diferença sejam os coadjuvantes que orbitam à roda de Boy, a começar por Hilda, uma vilã algo caricata a que Famke Janssen vai dando contornos de humanidade à medida que Boy cede a seus próprios impulsos autossabotadores, acossado pelas visões de Mina, a irmã morta interpretada por Quinn Copeland.
“Contra Todos” ratifica o saboroso pessimismo schopenhaueriano do cinema alemão, representado neste insano século 21 por “Quatro Minutos” (2006), dirigido por Chris Kraus; “Nós Somos Jovens, Nós Somos Fortes” (2014), levado à tela por Burham Qurbani; ou “E Amanhã… O Mundo Todo” (2020), de Julia von Heinz. Trata-se de um movimento coeso e orgânico, composto de artistas e pensadores que jamais se furtam a dizer o que deve ser dito — o que não significa nenhum alinhamento automático. Tudo de forma muito germânica.
Filme: Contra o Mundo
Direção: Moritz Mohr
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Suspense
Nota: 9/10