“Felicidade É…” parece um bem-sucedido esforço de se filmar “Quadrilha”, o poeminha singelo e cheio de duras verdades sobre o amor, a paixão e as trapaças do destino publicado por Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) em “Alguma Poesia” (1930), com a diferença de que, nos versos do itabirano, João, Teresa, Raimundo, Maria, Joaquim e J. Pinto Fernandes pareciam, talvez, mais novos e mais provincianos — inclusive João, o que foi para os Estados Unidos —, o primeiro aspecto, o etário, suavizado pela falsa generosidade dos tempos contemporâneos, ao passo que os amatutados de há nove décadas parecem hoje alienígenas. Mudam os costumes, transforma-se o mundo, evolui o homem (mais ou menos), porém o amor, ah!, esse fica; não o amor carnal, efêmero, ilusório, mas o amor imanente, soberano a todas as coisas, que não se importa com saldo bancário a perder de vista, traduzido em roupas de grife, carros de luxo ou palacetes de marfim: a tal da felicidade! Ao longo de 96 minutos, as sul-africanas Nthabiseng Mokoena e Naledi Ya Naledienchem a tela de cor e movimento numa história sobre uma nova quarentona às voltas com as implacáveis paranoias do envelhecimento — muito mais cruel para com as mulheres, sem dúvida —, aos poucos se dando conta de que há lutas mais urgentes a serem combatidas. Antes que seja tarde.
Princess, uma empresária que apareceu na lista dos quarenta mais influentes da “Forbes” com menos de quarenta anos, está prestes a deixar o ranking, não por nenhum baque financeiro ou escândalo moral, mas porque seu quadragésimo aniversário está a 72 horas de se materializar. Entre ansiosa e algo desesperada, ela recebe notificações pelo celular com lembretes sobre a data, que vai ganhando status de uma grande efeméride graças à festança a que Tumi, sua melhor amiga e “arquiteta de eventos de luxo”, vem se dedicando há semanas, e a medida que os ponteiros correm, resta óbvio que a futura aniversariante não está nada empolgada com o tal “acontecimento”. Sem pressa, Mokoena e Naledi elaboram as interseções e as diferenças entre as duas, pontuando a imbatível audácia de Tumi, incapaz de compreender as tão resistentes vulnerabilidades de Princess e mantendo a festa, mesmo depois de dispensada, e a imaturidade desta, que, no fundo, não supera o fim do casamento com Leo, o artista plástico vivido por Richard Lukunku, que o roteiro de Thuso Sibisi e Duduzile Zamantungwa Mabaso pinta com cores suaves, mas persuasivas, como um alcoólatra e drogadito em recuperação — malgrado o personagem, de nuanças riquíssimas, seja apenas mais um a girar ao redor de Princess.
Renate Stuurman e Gail Mabalane são de fato as estrelas aqui, e o filme, bem-intencionado, peca pelo excesso, tentando abraçar tópicos diversos num só golpe e em tempo tão limitado. As confusões de Princess e Tumi roubam a cena, em lances engraçados e caóticos que ficariam melhor para mocinhas de dezoito ou dezenove anos, o que invalida um pouco o razão de ser de “Felicidade É…”. Quarentonas e quarentões temos muito a dizer, por mais que excelentes outras tramas pipoquem por aí. Clichês são sempre hediondos, mas o que reza que a vida (re)começa aos quarenta é acintosamente verdadeiro, como diz Princess a certa altura. Nesse ponto, concordo com ela.
Filme: Felicidade É…
Direção: Nthabiseng Mokoena e Naledi Ya Naledi
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Comédia/Romance
Nota: 8/10