No Prime Video: o filme francês inesquecível que todos deveriam assistir para deixar a vida mais leve Jérôme Prébois/Nord-Ouest Films

No Prime Video: o filme francês inesquecível que todos deveriam assistir para deixar a vida mais leve

No século 18, a gastronomia na França dividia-se de maneira nítida entre as classes sociais. Enquanto a nobreza utilizava as refeições como forma de ostentação, exibindo seu poder e riqueza, o povo via a comida como uma questão de sobrevivência, uma necessidade básica para evitar a fome. As estalagens e hospedarias da época serviam pratos simples, destinados principalmente aos viajantes que precisavam de um lugar para se alimentar durante suas jornadas. Comer fora era algo raro e visto com estranheza pela maioria da população. Entretanto, com o tempo, esses locais evoluíram, e os primeiros restaurantes começaram a surgir, transformando-se em espaços de socialização e inovação culinária. No prólogo de “Delicioso: Da Cozinha para o Mundo”, vemos essa mudança sendo explorada de forma detalhada, remontando mais de dois séculos para ilustrar como essa instituição francesa começou a tomar forma. As transformações políticas e sociais da época, especialmente durante o Iluminismo, tiveram um papel central no surgimento dessas casas de pasto que revolucionariam a maneira como as pessoas interagiam com a comida.

A Revolução Francesa (1789-1799) marcou um ponto de inflexão nesse processo. A burguesia, em ascensão, tornou-se o principal grupo social responsável por sustentar o país, e com a chegada de habitantes das províncias à capital, Paris, o costume de comer fora finalmente ganhou força. O diretor Éric Besnard constrói uma narrativa que aborda, de maneira satírica, o surgimento do primeiro restaurante, desconstruindo a tradicional história de Boulanger, o vendedor de sopas que criava caldos restauradores para tratar problemas digestivos. Ao invés de focar em Boulanger, Besnard nos apresenta Pierre Manceron, um personagem fictício, mas inspirado em figuras históricas, como Mathurin Roze de Chantoiseau, que abriu o primeiro restaurante documentado em 1766. Besnard, junto com o corroteirista Nicolas Boukhrief, utiliza referências históricas precisas e tece uma narrativa que não apenas explora a criação do restaurante, mas também examina as dinâmicas pessoais de Manceron, especialmente com a chegada de uma mulher enigmática que muda sua vida.

Às vésperas da Revolução Francesa, Manceron comanda um banquete oferecido pelo duque de Chamfort, uma última grande exibição da decadente aristocracia francesa. Nessa ocasião, Manceron desafia o protocolo ao preparar um aperitivo à base de trufas, batata, ovos e farinha, que ele chama de “delicioso”. Embora o duque aprove sua criação, seus convidados, especialmente um bispo, reagem com desdém, levando à expulsão de Manceron. A partir daí, o chef encontra-se em uma situação difícil, isolado em um casebre no campo, onde ele e seu filho, Benjamin, sobrevivem servindo sopa aguada para poucos viajantes que passam por ali. Esse período de ostracismo é interrompido pela chegada de Louise, uma mulher misteriosa que exige ser contratada como assistente de cozinha. A relação entre Manceron e Louise evolui aos poucos, com o filme sugerindo uma atração romântica entre os dois. Isabelle Carré, no papel de Louise, traz uma performance precisa, interpretando uma personagem que, de forma silenciosa, altera o destino de Manceron e lhe dá a motivação necessária para reerguer-se.

A introdução de Louise no enredo altera o curso da narrativa, embora sua presença seja essencial para justificar o desenvolvimento do filme em vários momentos. A história de Manceron e Louise traz lembranças de “O Sabor da Vida” (2023), do vietnamita Tran Anh Hung, com sua exploração delicada das relações humanas por meio da culinária. Contudo, o que realmente atrai em “Delicioso: Da Cozinha para o Mundo” é a habilidade de transformar o processo de criação gastronômica em uma série de reflexões, trazendo à tona o ato quase revolucionário de poder desfrutar de uma boa refeição em um restaurante, sem a necessidade de lavar a louça ou enfrentar outras preocupações mundanas. O filme combina esses elementos históricos e culturais com uma narrativa que, embora ficcional, revela muito sobre o nascimento da gastronomia moderna, ao mesmo tempo em que nos faz refletir sobre o prazer de comer bem, um hábito que começou a tomar forma nesse período e que se mantém até hoje como um dos maiores prazeres da vida.


Filme: Delicioso: Da Cozinha para o Mundo
Direção: Éric Besnard
Ano: 2021
Gêneros: Comédia/Drama
Nota: 9/10