O faroeste da Netflix que mistura Tarantino e Sergio Leone em um balé de violência que vai agradar até quem não é fã do gênero Divulgação / Universal Pictures

O faroeste da Netflix que mistura Tarantino e Sergio Leone em um balé de violência que vai agradar até quem não é fã do gênero

Roel Reiné mergulha de cabeça no trash em “Inferno no Faroeste”, uma história sobre o acerto de contas entre um fora da lei do Velho Oeste e os homens que despacharam-no para o inferno mais remoto. Aos poucos, Reiné acresce alguns detalhes que cravam seu filme com ainda mais força num nonsense sinuoso, de que ninguém consegue escapar e fica-se sabendo que Guerrero, esse triste candidato à danação eterna, fora morto por seus próprios capangas, liderados por Red Cavanaugh, o meio-irmão com quem sempre teve um relacionamento sujeito a tempestades, caso tão sui generis que o próprio diabo tem pena dele e concede-lhe uma segunda chance. Os roteiristas Brendan Cowles e Shane Kuhn distribuem a ação entre as cenas de Guerrero no reino de Satanás e seu périplo à cata de Red pelos salões de Tombstone, um trocadilho que, claro, funciona melhor na versão original. Assim mesmo, as lutas esmeradamente coreografadas, os tiroteios, as explosões — sem computação gráfica —, tudo conduzido pela mão segura de Reiné, cativam até aqueles não muito chegados às tantas estripulias do gênero. 

Após a introdução, ao longo da qual Guerrero é executado, desce ao submundo e volta quase poderoso, o longa engata uma sucessão de tentativas de explicar o porquê de tudo aquilo. Um dos criminosos mais temidos da região, Guerrero é um mestiço antipático de longos cabelos negros e escorridos e pele encarquilhada, o que parece esclarecer em parte a cizânia que o aparta de Red, um homem branco e bem-relacionado, que parece ter esperado a vida inteira pela oportunidade de livrar-se do outro. Os dois dividiram o ventre de uma prostituta, mas apenas Guerrero sentiu na pele o estigma social e a segregação, e a partir desse ponto Reiné une as peças de uma saga por reparação, concentrada numa figura ambivalente, meio anjo vingador, meio cachorro louco. O diretor faz questão de imprimir seu estilo nas tomadas num inferno sóbrio, com o imenso forno onde ardem os malditos e uma cadeira, em que o anfitrião marca a ferro em brasa seus hóspedes. Esse papel cai como uma luva para Mickey Rourke, resgatado das cinzas com o sucesso de “O Lutador” (2008), de Darren Aronofsky, só ofuscado pela onipresença de Danny Trejo e Anthony Michael Hall, competindo pelo posto de personagem mais repulsivo, cada qual por um motivo. No fundo, “Inferno no Faroeste” é a estranha declaração de amor de Roel Reiné aos bangue-bangues a que assistia em menino na Holanda, um trabalho autoral e apaixonado. E por isso cativante.


Filme: Inferno no Faroeste
Direção: Roel Reiné
Ano: 2013
Gêneros: Faroeste/Terror
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.