O melhor filme argentino de 2024 acaba de chegar à Netflix Cleo Bouza / Netflix

O melhor filme argentino de 2024 acaba de chegar à Netflix

Hoje, qualquer um sabe muito bem que não pode confiar em tudo o que seus olhos veem, especialmente quando essas imagens, bonitinhas, coloridinhas, chegam por meio de uma tela. Cerca de quatro décadas atrás, todavia, se a televisão mostrava era porque assim era, o que apontava para duas conclusões distintas: ou as pessoas tinham mais vergonha na cara ou a porcentagem de gente crédula superava o número de viventes na primeira categoria. José Bernardo Kerzer (1941-1997), também conhecido como José de Zer, dominou como poucos a arte de iludir tão própria do audiovisual, e por bastante tempo, boa parte de seu ofício, como detalha o ótimo “O Homem que Amava Discos Voadores”, foi fornecer o circo dos programas pseudojornalísticos que vendem mais que gelo no deserto. Diego Lerman, um diretores mais prolíficos da novíssima safra do cinema argentino, se agarra com convicção a esse personagem fascinante, desnudando-o camada por camada, até chegar a um espírito aventureiro acossado pelos fantasmas da irrelevância. Lerman e o corroteirista Adrián Biniez alcançam a difícil harmonia entre a caricatura e a essência de De Zer, alguém na eterna busca de si mesmo.

De Zer passa a roupa com que vai sair para trabalhar, deixa o ferro quente demais e queima a camisa. Ele sai assim mesmo, com a marca de queimado no peito, e vai ao estabelecimento onde Monica, uma atriz que mantém um bem-sucedido espetáculo de teatro de revista enquanto ancora um talk show classe C numa emissora popular. De Zer leva para a amiga (e amante ocasional) um Genius, aquele jogo da memória eletrônico tão comum nos anos 1980, e esses truques do diretor, assim tão baratos e eficazes, tornam-se uma atração à parte em seu trabalho. Em outro momento, Monica é entrevistada por De Zer no jardim de casa, e um clarão o derruba. Desmaiado, ele tem uma visão de quando cobria a Guerra dos Seis Dias, entre 5 e 10 de junho de 1967, baixa ao hoapital e é visitado por um casal de empresários de Candelaria, na região central da Argentina, onde, dizem, se dá uma suposta atividade extraterrestre. A farsa começa.

Se Mónica Ayos Crámer confere um providencial glamour no primeiro ato, a partir do segundo Leonardo Sbaraglia toma conta do filme ao descobrir jeitos de externar as angustias existenciais do protagonista, como na sequência em que fica preso numa mina de ouro desativada, o lugar ideal para que lhe venha uma epifania acerca do que tem feito de sua vida. Lerman filma outras passagens em widescreen, justamente para sublinhar a ideia de vertigem, de desconforto, de De Zer (e nossa), confiando a Sbaraglia e seu ridículo cabelo platinado fazer o restante. Mais uma para a conta dos hermanos — e eles sempre merecem.


Filme: O Homem que Amava Discos Voadores
Direção: Diego Lerman
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Comédia
Nota: 9/10