A humanidade é composta por tipos diversos, mas os sonhadores, aqueles movidos por um idealismo quase marginal, formam uma minoria insignificante em relação à vasta maioria que simplesmente não se importa ou que, sem pudor, exibe com orgulho sua adesão ao lado mais sombrio da vida. É difícil imaginar uma existência minimamente digna sem os poucos heróis que nos salvam das inúmeras armadilhas do mundo, um espaço notoriamente inóspito para os ingênuos e de coração puro. Embora sejam muitos, esses últimos são continuamente perseguidos pela crueldade inerente ao ser humano.
E como conviver com a realidade irrefutável de que o mal orienta boa parte das interações humanas, começando nas famílias e se estendendo a ambientes profissionais em todas as esferas? Esse mal se transforma, com paciência, de algo insignificante em uma força poderosa, que sobrevoa com disfarçada elegância os laços mais profundos que se pode estabelecer com outra pessoa. Então, o que fazer? Isolar-se cada vez mais, como um ser tímido e assustado dentro de sua concha, ou aceitar a dura realidade de que a honestidade é um valor raro e se afundar nas águas turvas da mentira, temendo sempre esbarrar em algum obstáculo oculto sob a superfície?
É nesse cenário de questionamentos que Antoine Fuqua situa “O Protetor” (2014), apoiando-se na figura de um protagonista exausto, mas ainda disposto a oferecer sua contribuição para resolver conflitos que apenas homens como ele podem enfrentar. O roteiro de Richard Wenk brilha ao desenhar a silhueta desse homem singular. Cada cena é marcada por um refinamento estético e uma profundidade que ressoam diretamente no espectador.
No entanto, é Denzel Washington quem, com seu talento inigualável, transforma a personagem em algo ainda mais significativo. Sua interpretação, precisa e envolvente, garante que a trama se desenrole com fluidez e impacto. A forma como Washington constrói seu personagem é um dos pilares do sucesso do filme, proporcionando momentos de sutileza e intensidade em igual medida, o que torna a obra surpreendente em cada aspecto que se analise.
Fuqua, por sua vez, utiliza com maestria o vasto material que Wenk lhe oferece e ainda supera as expectativas em relação à trama principal. Desde a abertura, precedida por uma citação de Mark Twain, somos apresentados a Robert McCall, um homem taciturno e enigmático, interpretado por Washington. Inicialmente, McCall pode parecer uma figura à la Travis Bickle, o protagonista ressentido de “Taxi Driver” (1976), interpretado por Robert De Niro. Contudo, essa impressão se dissolve rapidamente. Ao contrário de Bickle, McCall ocupa seu tempo livre com leituras de clássicos da literatura, como “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, “Dom Quixote”, de Cervantes, e “O Homem Invisível”, de H.G. Wells.
Esse hábito de leitura o diferencia completamente do caos interno vivido por Bickle. Quando Teri, uma jovem prostituta interpretada por Chloë Grace Moretz, cruza seu caminho, a relação entre eles se revela quase casual, sem grandes pretensões. Ela se torna uma ouvinte passageira, sentando-se à sua mesa em busca de uma conversa antes de retomar sua rotina. A jovem oferece a melhor definição para McCall, dizendo que ele não é exatamente um homem triste, mas perdido.
A partir desse ponto, o filme mergulha na transformação de McCall. Teri, que na verdade se chama Alina, é o estopim para que ele reacenda uma parte de si que acreditava estar adormecida. Ao descobrir que a jovem foi brutalmente agredida, McCall, incapaz de ignorar a situação, decide agir, mesmo que o contexto não seja mais a Nova York suja dos anos 1970, mas sim a Boston contemporânea.
O que se segue são algumas das cenas de ação mais bem coreografadas do cinema recente. Washington transforma McCall em um justiceiro implacável, capaz de enfrentar sozinho uma gangue de mafiosos russos, utilizando, em uma das cenas, até um saca-rolhas como arma de combate. O desfecho do filme, claramente otimista, não exige maiores reflexões. Em seus 132 minutos, entre cenas de ação de tirar o fôlego, Denzel Washington reafirma seu lugar entre os grandes nomes do cinema, mantendo a mesma presença cativante que o consagrou décadas atrás.
Filme: O Protetor
Direção: Antoine Fuqua
Ano: 2014
Gêneros: Ação/Thriller
Nota: 10