A sátira política e racial de Juel Taylor, “Clonaram Tyrone!”, vai muito além de uma simples denúncia, enfrentando questões incômodas com uma abordagem que transcende o convencional. Trabalhando em conjunto com Tony Rettenmaier, Taylor elabora uma narrativa que mistura influências de diferentes gêneros e diretores. A obra parece fundir o suspense meticuloso de Jordan Peele, presente em filmes como “Corra!” (2017) e “Não! Não Olhe!” (2022), com o terror subversivo e inteligente de John Carpenter em “Eles Vivem” (1988). Ao mesmo tempo, o humor surreal e reflexivo de Harold Ramis, famoso por “Feitiço do Tempo” (1993), também permeia a trama. Dessa combinação aparentemente paradoxal, o filme alcança uma unidade coesa e singular, sem jamais se render à simplicidade ou ao reducionismo. A história constrói, camada após camada, uma reflexão múltipla sobre a experiência de ser negro nos Estados Unidos atuais, desafiando o espectador a refletir sobre os problemas estruturais da sociedade sem oferecer respostas fáceis ou imediatas para os desafios persistentes.
No decorrer do filme, personagens como Slick Charles, interpretado com maestria por Jamie Foxx, enriquecem a narrativa com diálogos intrigantes e inesperados. Em uma roda de conversa com outros personagens marginais, ele revela que tanto Michael Jackson quanto Tupac Shakur tinham o hábito de frequentar, de forma discreta e anônima, supermercados Piggly Wiggly em pequenas cidades do Centro-Sul dos Estados Unidos. Esse detalhe peculiar é apenas um dos muitos que compõem o panorama excêntrico e multifacetado do filme. Fontaine, o protagonista vivido por John Boyega, também é uma figura central nesse microcosmo, apresentando-se como um traficante cujos modos despretensiosos mascaram uma personalidade bastante complexa. O jovem Junebug, interpretado por Trayce Malachi, surge em um momento chave, quando busca Fontaine para resolver uma situação delicada. Em um carro velho, os dois discutem trivialidades como Bob Esponja e o Siri Cascudo, momentos que criam uma atmosfera de estranheza e profundidade. A estética visual de Ken Seng e a trilha sonora composta por Desmond Murray e Pierre Charles contribuem para essa sensação, evocando a primeira década dos anos 2000, ainda que a narrativa desafie essa localização temporal com diálogos que deslocam o público para um presente reimaginado.
O terceiro ato do filme, que se desenrola em uma Igreja do Espírito Santo no Monte Sião, traz à tona um dos momentos mais intrigantes da trama. Nesse ponto, Fontaine, Junebug, e o improvável duo de Slick Charles e Yo-Yo, vivida por Teyonah Parris, descobrem uma passagem secreta que conecta o templo a um misterioso laboratório. Lá, encontram algo que desafia toda a lógica: a duplicação em massa de pessoas negras, produzidas como se fossem eletrodomésticos. Esse cenário bizarro e perturbador serve como um ponto de inflexão na narrativa, revelando as camadas mais profundas de sua crítica social. A sequência final, acompanhada pela voz etérea de Erykah Badu, apenas intensifica a sensação de deslocamento e mistério. A conclusão deixa o espectador imerso em uma névoa de perguntas: quem são essas pessoas e de onde vieram? A única certeza que resta é que, de fato, clonaram Tyrone, encerrando a narrativa de forma enigmática e provocadora, sem respostas fáceis.
Filme: Clonaram Tyrone!
Direção: Juel Taylor
Ano: 2023
Gêneros: Mistério/Fantasia
Nota: 8/10