Uma das melhores comédias do século, obra-prima de John Hamburg na Netflix é um farol de sensatez Divulgação / Paramount Pictures

Uma das melhores comédias do século, obra-prima de John Hamburg na Netflix é um farol de sensatez

Numa época em que termos como “masculinidade tóxica”, “sororidade” e “fluidez de gênero” pularam das rodas de conversas direto para as páginas dos jornais e os debates na televisão, filmes como “Eu Te Amo, Cara” tornaram-se um farol de sensatez da noite para o dia. Sem querer, a história de um garanhão incorrigível que, às vésperas do casamento, percebe que não tem nenhum grande amigo homem (e o pleonasmo se faz muito necessário) com o qual possa contar para padrinho virou um guia para machos de todas as configurações sobre como não se comportar caso queira sentir o gosto do verdadeiro sucesso — o que inclui, claro, não morrer sozinho. Tirando-se o fedor da autoajuda, o trabalho de John Hamburg é antes de tudo engraçado (feito as comédias devem ser, eu acho) em sua exposição de tipos caricatos, homens instáveis se segurando para não transmitir impressões erradas, seja lá o que isso signifique.

O casório de Peter Klaven e Zooey Rice se aproxima, e Sydney Fife parece a única pessoa no mundo apta a transformá-lo num noivo minimamente apresentável. Peter, um corretor imobiliário meio troglodita, nada dado a noções de etiqueta ou sutilezas afins, continuar a se derreter para todo rabo de saia que lhe aparece pela frente, o que pode arruinar não só sua vida particular como sua carreira. Ele pode ser um rematado cafajeste, mas é também um sujeito perspicaz, e entende logo que Sydney é uma figura indispensável na vida que deseja ter, e nesse momento, o roteiro de Hamburg e Larry Levin explora o vaivém de dois marmanjos, que se conhecem de uma forma no mínimo inusitada, por intermédio de um amigo em comum, ninguém menos que O Incrível Hulk, digo, o fisiculturista e ator Lou Ferrigno. 

O que o Peter de Paul Rudd tem de sedutoramente repulsivo, o Sydney de Jason Segel tem de ingênuo e empático, e ambos, cada qual a seu modo, acionam uma percepção distinta no espectador. Como resta evidente no título, essa é a história de amor entre esses novos amigos de infância, mas o diretor reserva passagens à altura do talento de Rashida Jones, perdida num universo paralelo, uma certa caverna, de onde saem baterias, guitarras, eletrodomésticos avariados, pôsteres de filmes antigos, cadeiras de praia e outros objetos, alguns impublicáveis. “Eu Te Amo, Cara” é o registro do que homens fazem até que, quando não sobra mais espaço para a paixão, decidem crescer. Às vezes, não resta nem a lembrança daqueles dias sem escovas de dentes juntas e reuniões de condomínio.


Filme: Eu Te Amo, Cara
Direção: John Hamburg
Ano: 2009
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.