Obra-prima com Timothée Chalamet, ignorada pelo público, é um dos melhores filmes da história da Netflix Divulgação / Netflix

Obra-prima com Timothée Chalamet, ignorada pelo público, é um dos melhores filmes da história da Netflix

Em algum ponto da vida — frequentemente em momentos bem menos brilhantes —, todos nós somos forçados a encarar a nós mesmos. Não é raro nos vermos diante de um espelho, inspirarmos profundamente e, em busca daquela coragem interior, nos perguntarmos: “O que eu realmente quero fazer da minha existência?”. É um questionamento que, para quem entra cedo no mundo do entretenimento, especialmente para atores, precisa ser respondido com clareza para não desperdiçar anos de dedicação, sempre sob o olhar crítico e impiedoso de quem observa cada movimento da carreira, ávido por apontar erros. Timothée Chalamet, sem dúvida, já se deparou com esse espelho, e a resposta que recebeu não deve ter sido enganosa.

Longe de ser apenas um rosto bonito, como alguns poderiam supor, Chalamet tem demonstrado em sua trajetória que há muito mais por trás de sua imagem. Ao longo de mais de duas décadas atuando, ele soube equilibrar uma presença aristocrática com uma autenticidade que toca o público em seus papéis mais populares. Em “O Rei” (2019), dirigido por David Michôd, que coescreveu o roteiro ao lado de Joel Edgerton, o ator dá vida ao icônico Henrique V da Inglaterra. A história, baseada nas peças de William Shakespeare que retratam o reinado do monarca, é um desafio que Chalamet parece ter abraçado com a mesma determinação e intensidade que sempre imprimiu em seus papéis.

No processo de criação do roteiro, Michôd e Edgerton extraíram o melhor do legado shakespeareano, transportando o espectador para uma era medieval em que doenças fatais e guerras intermináveis marcavam o cotidiano. Mesmo que Chalamet fisicamente não lembre muito o verdadeiro Henrique V — uma figura marcada pelas adversidades do tempo em que viveu, como atestam os registros históricos e as gravuras da época —, a performance do ator se destaca por sua profundidade e fidelidade ao espírito do personagem. Afinal, o verdadeiro rei morreu jovem, em meio à guerra e à desolação, e a produção soube explorar essa vulnerabilidade com um realismo sombrio e implacável.

Timothée Chalamet, cuja formação teatral o aproxima de lendas como Laurence Olivier e Colin Firth, traz em “O Rei” uma maturidade que vai além de sua juventude. Sua interpretação de Henrique V exibe a transição de um jovem despreocupado para um líder consciente, disposto a carregar o peso da coroa com dignidade e humanidade. Diferente de Hamlet, cujo destino trágico é impulsionado por forças destrutivas, o Henrique de Chalamet encontra equilíbrio, guiando a Inglaterra em meio ao caos da Guerra dos Cem Anos com uma firmeza incomum para sua idade. A cena da Batalha de Azincourt, por exemplo, é um dos pontos altos do filme, onde a direção de Michôd não economiza em detalhar a brutalidade dos conflitos medievais.

O roteiro, acertadamente, evita o inglês arcaico de Shakespeare, optando por um estilo mais contemporâneo que, sem perder o tom solene, facilita a conexão com o público moderno. A atuação de Joel Edgerton como Falstaff é convincente, capturando a essência do conselheiro de Henrique com uma interpretação robusta, enquanto Robert Pattinson, no papel do delfim da França, exagera na teatralidade, não alcançando a mesma autenticidade. Contudo, é inegável que o maior trunfo de “O Rei” é, de fato, Chalamet, cuja carreira parece seguir o curso de um amadurecimento contínuo.

Se em “Me Chame Pelo Seu Nome” (2017), Chalamet despontou como o jovem vulnerável e sensível, em “O Rei” ele surge como um ator que já adquiriu a casca dura necessária para papéis de grande responsabilidade. A complexidade emocional que ele traz para a tela, agora em outras dimensões de sua carreira, como se vê em “Duna” (2021), prova que o jovem ator está apenas começando a explorar os limites de seu talento. Vida longa a Timothée Chalamet, que continua a surpreender e cativar, seja como rei ou como qualquer outro personagem que resolva encarar.


Filme: O Rei
Direção: David Michôd
Ano: 2019
Gêneros: Filme histórico
Nota: 9/10