O vencedor do Oscar indicado a 111 Oscars que se tornou um marco do cinema dos anos 2000 está na Netflix Divulgação / Focus Features

O vencedor do Oscar indicado a 111 Oscars que se tornou um marco do cinema dos anos 2000 está na Netflix

Uma das experiências mais dolorosas da vida adulta é ter o coração partido. O término de um relacionamento pode ser comparado à morte — não a física, mas a do amor, dos sonhos, das expectativas e de um futuro idealizado. As palavras muitas vezes falham em capturar a verdadeira intensidade da dor de um coração despedaçado. Se tivéssemos a opção de pular essa fase e ir instantaneamente para o momento em que superamos o ex-parceiro, esquecemos o passado e entramos em um novo relacionamento sem traumas, ansiedades ou lembranças, a vida seria muito mais simples, certo? Talvez. No entanto, ao evitar essa dor, talvez também estivéssemos abdicando de uma parte fundamental de quem somos, deixando de lado os elementos que moldam nossa história e nos tornam completos. As tristezas, assim como as alegrias, são componentes essenciais da estrutura do nosso ser.

Partindo dessa reflexão sobre a dor e a importância das lembranças, Charlie Kaufman, mestre em narrativas surrealistas e introspectivas, nos presenteia com “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, dirigido por Michel Gondry. O filme nos desafia a pensar se seríamos de fato mais felizes se pudéssemos apagar as memórias daqueles que um dia amamos, mas que acabaram nos abandonando — seja por outra pessoa, por uma oportunidade, por si mesmos ou por um novo caminho.

A história gira em torno de Joel Barish (Jim Carrey) e Clementine Kruczynski (Kate Winslet). A narrativa não é linear nem segue o realismo tradicional, mas logo entendemos que eles se conheceram em um trem, tiveram momentos românticos e passaram por crises, como a falta de comunicação e o comportamento displicente de Joel, que colidiu com a personalidade expansiva e vibrante de Clementine. Embora tenham vivido momentos únicos, o relacionamento chega ao fim de maneira abrupta e dolorosa, especialmente para Joel, que, sem aviso, descobre que Clementine o trocou por outro homem e age como se ele não existisse.

Joel logo descobre o motivo dessa mudança repentina: Clementine passou por um procedimento para apagar todas as memórias dele. Ela realmente não o reconhece, pois sua mente foi “limpa” de qualquer lembrança do relacionamento. Indignado com a escolha de Clementine, Joel decide fazer o mesmo. Ele contrata o serviço para também remover todas as recordações dela, acreditando que isso aliviará seu sofrimento.

Deitado inconsciente em sua sala de estar, com um dispositivo conectado à cabeça, Joel tem suas memórias mapeadas enquanto a equipe identifica as conexões neurais associadas a Clementine. Durante o processo, o filme nos leva a acompanhar a jornada emocional de Joel, revisitando os momentos que eles compartilharam — sejam bons ou ruins. Embora o procedimento avance, Joel, dentro de sua mente, começa a perceber o valor das experiências que viveu, mesmo as dolorosas. Ao reviver essas memórias, ele passa a lutar contra o apagamento, tentando preservar o que resta de sua história com Clementine, mesmo que já não possa expressar seu desejo de parar, pois está inconsciente.

Essa viagem ao interior da mente de Joel revela o peso e a profundidade de suas emoções. Ao revisitar momentos que ele pensou querer esquecer, Joel compreende que até os aspectos imperfeitos e dolorosos do amor são parte integral da experiência humana. Ele percebe que Clementine, com todas as suas falhas, foi essencial para moldá-lo e que as memórias, boas ou ruins, não são simplesmente descartáveis — elas formam a essência de quem somos.

Enquanto o procedimento é realizado, a narrativa paralela acompanha os dilemas dos funcionários da empresa responsável pelo apagamento de memórias. Eles também enfrentam questões éticas e pessoais, questionando a moralidade do trabalho que fazem e suas próprias decisões de vida, acrescentando outra camada de complexidade à história.

O roteiro de Kaufman traz à tona os elementos que o consagraram como um dos autores mais autênticos e criativos de Hollywood. Misturando reflexões filosóficas com uma estética surreal, ele constrói uma narrativa fragmentada que espelha a forma como a mente processa memórias e emoções. Ao desestruturar a cronologia dos eventos, Kaufman faz com que o público experimente a confusão e a vulnerabilidade que Joel enfrenta, criando uma conexão emocional poderosa com o personagem.

Além disso, Kaufman explora os aspectos mais íntimos da psique humana, questionando a relação entre memória e identidade, e levando o espectador a refletir sobre a natureza do amor e do sofrimento. Será que apagar as lembranças ruins realmente nos liberta da dor? Ou, ao fazer isso, estaríamos sacrificando parte de nossa essência? Essas questões existenciais tornam a obra profunda e tocante, e é difícil não se identificar com as emoções dos personagens.


Filme: Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças
Direção: Michel Gondry
Ano: 2004
Gêneros: Ficção científica/Romance
Nota: 10