A história de amor bizarra e grotesca que se tornou um dos filmes favoritos de Tarantino, na Netflix Divulgação / Neon

A história de amor bizarra e grotesca que se tornou um dos filmes favoritos de Tarantino, na Netflix

“Amores Canibais”, dirigido e roteirizado pela cineasta Ana Lily Amirpour, traz uma trama controversa, ambientada em um futuro distópico onde o deserto texano se transforma em oásis de insanidade. O filme apresenta um cenário pós-apocalíptico que mistura sobrevivência crua com atividades cotidianas quase banais, como festas e passeios de skate, revelando a tentativa de se manter uma normalidade, mesmo diante do caos. Nesse ambiente hostil, Arlen, interpretada por Suki Waterhouse, tenta encontrar um refúgio. Sob o sol implacável e rodeada de destroços que lembram um “Mad Max” alternativo, ela vaga por terras áridas, repletas de restos de metal e lixo, em busca de um lugar para chamar de lar.

As filmagens, realizadas em locações peculiares como um cemitério de aviões em Lancaster e a isolada vila Comfort, próxima ao lago Salton Sea, imprimem uma estética que vai além dos efeitos visuais convencionais. O visual do filme, com um toque vintage e um certo desleixo proposital, contribui para a criação de um ambiente paradoxalmente realista e onírico. Amirpour constrói um mundo que parece ao mesmo tempo palpável e imaginário, como se as fronteiras entre o tangível e o fantástico fossem constantemente borradas, convidando o espectador a um jogo de percepções.

Arlen, a protagonista, é uma personagem enigmática, cuja história nos é ocultada, mas que carrega tanto fragilidade quanto força em sua jornada. Todos os personagens de “Amores Canibais” são envoltos em mistério; suas motivações são indefinidas, e suas histórias permanecem intocadas. Logo no início do filme, Arlen perde dois de seus membros, um braço e uma perna, em uma brutal demonstração da crueldade do mundo ao seu redor. No entanto, sua determinação em sobreviver não vacila, e sua busca por vingança se torna o fio condutor da narrativa.

Nesse universo desolado, surge Miami Man, vivido por Jason Momoa, que compartilha uma existência peculiar com sua esposa Maria (Yolonda Ross) e a filha Honey (Jayda Fink) em meio aos destroços de um avião. A família sobrevive aprisionando pessoas indefesas para se alimentar de seus corpos, um ato que, no contexto do filme, oscila entre a necessidade desesperada e o sadismo puro. A prática do canibalismo é uma metáfora para a degradação humana, refletindo tanto o desespero por sobrevivência quanto a frieza egoísta dos mais fortes. Quando Arlen se depara novamente com a mulher que a mutilou, ela decide que a vingança é inevitável.

A polêmica central do filme surge quando Arlen mata Maria, uma mulher negra, na frente de sua filha, assumindo em seguida o papel de mãe da criança. Além disso, a protagonista acaba por despertar o interesse de Miami Man, o que intensifica as discussões sobre racismo e estereótipos raciais. Durante uma entrevista, Amirpour foi questionada sobre essa escolha narrativa, com uma espectadora levantando a questão racial envolvida na cena. A diretora, pega de surpresa, comentou mais tarde que o filme não tinha a intenção de abordar diretamente questões raciais, mas sim de explorar como carregamos dentro de nós a capacidade de destruição mútua. O foco, segundo ela, era menos sobre o ato em si e mais sobre a reflexão de como o ciclo de violência pode ser justificado pela vingança.

Além da protagonista e de Miami Man, o filme é povoado por figuras excêntricas e memoráveis, como O Gritador (Giovanni Ribisi), O Ermitão (Jim Carrey) e O Sonhador (Keanu Reeves). Esses personagens, tão singulares quanto o próprio universo de “Amores Canibais”, contribuem para a atmosfera surreal do longa, que combina elementos de “Alice no País das Maravilhas” com a brutalidade estilizada de Quentin Tarantino, Robert Rodriguez e a aridez de “Mad Max”.


Filme: Amores Canibais
Direção: Ana Lily Amirpour
Ano: 2016
Gênero: Ação/Terror/Mistério
Nota: 8/10