A busca por algo além do que se tem leva a resultados incertos e pode resultar em perdas irreparáveis. Esta é a reflexão que surge após as mais de duas horas de “Comer, Rezar, Amar”, uma espécie de releitura moderna e feminina da “Odisseia” de Homero (928 a.C — 898 a.C.). Elizabeth Gilbert, a protagonista em constante desassossego, tenta encontrar um sentido para sua vida enquanto mergulha nos prazeres mundanos, sem perceber que está seguindo, em essência, o carpe diem de Horácio (65 a.C. — 8 a.C.). Vinda de Nova York, ela viaja por Bali, Índia e Itália, apenas para descobrir que a paz que procura está mais próxima do que imaginava, oculta em um recanto de sua própria alma.
Ryan Murphy, atento ao apelo das necessidades humanas que o mundo externo não pode satisfazer, adapta o livro homônimo de Gilbert, publicado em 2006 e que permaneceu 180 semanas na lista de mais vendidos do “The New York Times”. A adaptação destaca as contradições da personagem, uma mulher em transformação, inquieta e em busca de respostas para os mistérios da vida, mas que aprende, aos poucos, que cada resposta é sempre incompleta e pessoal.
A jornada de Liz começa pedalando pelos arrozais de Bali, enquanto reflete sobre as dificuldades comuns que afetam a todos, independentemente de riqueza ou status. Com o intuito de explorar as práticas espirituais do Oriente, ela se encontra com Ketut Liyer, um guru que, apesar de suas frases simples, lhe oferece uma visão simbólica com a gravura de uma deusa que se equilibra sobre quatro pernas—um emblema que se revela significativo no desfecho da história. Aos quarenta e poucos anos, Liz enfrenta uma crise de identidade, marcada pela dificuldade de encontrar satisfação em relacionamentos com homens devotos que parecem oferecer-lhe tudo, exceto o amor que ela deseja retribuir.
O roteiro de Murphy e Jennifer Salt insiste em apresentar a protagonista de modo ambíguo, desafiando o público a mudar de opinião sobre ela à medida que a narrativa se desenrola. De uma figura inicialmente vista como egoísta e fria, Liz se torna mais vulnerável e humana. Esta transição só se torna crível pela atuação magnética de Julia Roberts, especialmente nas cenas com Stephen, interpretado por Billy Crudup, que traz à tona a nostalgia de um casamento fracassado e a busca por uma vida que pudesse ser diferente. Momentos como a dança em uma festa de bodas, sem a trilha de “Celebration” (1980) do Kool & the Gang, permitem uma reflexão melancólica sobre o que poderia ter sido.
Após uma passagem pela Itália, onde Liz se delicia com a culinária local, o roteiro ganha impulso na Ásia. É em um templo nos arredores de Nova Délhi que sua amizade com Richard, um texano interpretado por Richard Jenkins, traz novas perspectivas e dá mais profundidade às suas reflexões. Quando Liz retorna a Bali, encontra Ketut em um momento cômico de confusão que suaviza o tom previsível do enredo. Richard volta ao Texas, e Liz parece finalmente encontrar o amor com o brasileiro Felipe, vivido por Javier Bardem, embora a preferência pessoal pudesse ter sido pelo despretensioso texano. Segundo a filosofia do guru balinês, o amor, com seu desequilíbrio inerente, é essencial para alcançar a harmonia, e Liz, com suas descobertas, parece finalmente estar no caminho certo para isso.
Filme: Comer, Rezar, Amar
Direção: Ryan Murphy
Ano: 2010
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10