O melhor filme chileno de 2024 acaba de chegar à Netflix Divulgação / Netflix

O melhor filme chileno de 2024 acaba de chegar à Netflix

O cinema chileno, ao lado do argentino, frequentemente se destaca como um reduto de inovação e refinamento dentro da América Latina. Nos últimos tempos, essa reputação foi impulsionada em grande parte por Maite Alberdi. Em 2024, ela conquistou uma indicação ao Oscar de Melhor Documentário de Longa-Metragem com “A Memória Infinita” (2023), uma obra que mergulha na luta de um casal contra o Alzheimer. Com “No Lugar da Outra”, Alberdi expande sua trajetória, explorando novos temas e elevando ainda mais suas ambições artísticas.

Neste novo trabalho, ela se aventura em uma narrativa que mistura romance policial e biografia, trazendo à tona a vida cheia de nuances da escritora María Carolina Geel (1913-1996). O filme é inspirado em “As Homicidas”, um suspense escrito por Alia Trabucco Zerán em 2023. O foco nas histórias de mulheres não é por acaso: sem cair em discursos panfletários, Alberdi e suas co-roteiristas, Inés Bortagaray e Paloma Salas, tecem uma crítica sutil à sociedade patriarcal, onde os homens, historicamente, têm a licença para cometer atos extremos em nome da honra, enquanto as mulheres são julgadas quando reagem de forma semelhante. É uma análise que expõe as contradições persistentes.

Em 1955, numa época de charme e sofisticação no Chile, distante dos traumas da futura ditadura de Augusto Pinochet (1915-2006), a cena se passa em frente ao luxuoso Hotel Crillón, na rua Agustinas, 1035. O local fervilha de Cadillacs, até que disparos ecoam no salão do restaurante. Uma figura feminina, trajando um casaco lilás manchado de vermelho, rapidamente ganha os holofotes: trata-se de María Carolina Geel (1913-1996), uma escritora de sucesso, que não hesitou em atirar no amante após descobrir sua infidelidade. Alberdi utiliza o tom dramático e envolvente de “No Lugar da Outra” para criar um clima de tango andino distorcido, com toques de surrealismo. Ela ainda incorpora passagens que sugerem a interferência da poetisa Gabriela Mistral, laureada com o Nobel em 1945, junto ao presidente Carlos Ibáñez del Campo (1877-1960). A história ganha ares ainda mais intrigantes quando se lembra que, em 1941, a poetisa María Luisa Bombal (1910-1980) também recorreu à violência contra um parceiro, no mesmo Hotel Crillón, mas com um desfecho mais favorável ao homem.

Na segunda parte, Alberdi deixa de lado o drama do triângulo amoroso para se concentrar em Mercedes, a secretária do juiz que acompanha o caso. Nessa virada, “No Lugar da Outra” transforma-se em um estudo profundo de personagens, revelando a ironia contida em seu título. Antes submissa à monotonia de seu cotidiano, Mercedes aproveita seu acesso ao processo judicial para se aproximar da vida de Geel, passando a visitar o apartamento da escritora enquanto diz ao marido que está no tribunal.

A atuação expressiva de Elisa Zulueta traz à tona o fascínio da secretária por aquele universo de luxo, enquanto Francisca Lewin encarna Geel com uma intensidade contida. A interação entre as duas personagens cria um embate moral que enriquece a narrativa, fazendo emergir reflexões filosóficas inesperadas. Com isso, Alberdi oferece um filme repleto de sutileza e beleza, características que têm sido escassas em outras produções sul-americanas.


Filme: No Lugar da Outra 
Direção: Maite Alberdi
Ano: 2024
Gêneros: Crime/Drama/Biografia 
Nota: 9/10