Paul Schrader constrói uma trajetória cinematográfica marcada por personagens profundamente complexos e fora dos padrões convencionais. Travis Bickle, veterano do Vietnã e protagonista de “Taxi Driver”, talvez seja o mais icônico desses indivíduos que transitam entre o caos e a frustração. Este personagem, que se tornou um dos maiores papéis de Robert De Niro, compartilha o mesmo terreno árido emocional com outros tipos igualmente marcantes interpretados pelo ator, como o gângster Michael Corleone de “O Poderoso Chefão” e o envelhecido Frank Sheeran de “O Irlandês”. Em “Taxi Driver”, Bickle encontra uma maneira de ganhar a vida através de um trabalho como motorista de táxi, uma escolha motivada pela sua insônia crônica, que o impede de descansar e, em última instância, o empurra cada vez mais para a marginalidade e o isolamento.
O protagonista de Schrader, entretanto, vai além do simples insone à deriva. O diretor e roteirista de “The Card Counter” nos apresenta William Tell, um homem que carrega as cicatrizes da guerra em seu íntimo, ainda que sua história se desenrole sob outras circunstâncias. Tell é um ex-militar que serviu como torturador na prisão de Abu Ghraib, e suas experiências deixaram marcas profundas que ele tenta, sem sucesso, esconder por trás de uma fachada de autocontrole. No entanto, o vício em pôquer é apenas mais uma fuga, não uma solução. Sua trajetória revela uma queda inevitável para a autodestruição, um padrão que Schrader conhece bem em seus personagens.
Assim como Travis, Will é um homem quebrado, incapaz de formar laços genuínos e de se reconectar com uma realidade mais humana e compassiva. Suas tentativas de construir algo fora de si mesmo fracassam de forma quase previsível, ainda que ele encontre duas pessoas dispostas a tentar resgatá-lo desse ciclo de desespero. E é nesse ponto que Schrader traça paralelos entre “Taxi Driver” e “The Card Counter”, duas obras que, em essência, falam sobre indivíduos em queda livre, cuja loucura e desespero se tornam uma crítica brutal e profunda sobre as cicatrizes deixadas pela guerra e o papel que a sociedade desempenha em marginalizar essas figuras.
Com Oscar Isaac no papel principal, “The Card Counter” envolve o espectador em uma jornada fragmentada, onde cada personagem representa um pedaço de uma vida quebrada, buscando sentido em um mundo que parece jogar contra eles. Tye Sheridan e Tiffany Haddish adicionam camadas a essa narrativa de desespero e, juntos, criam um retrato poderoso de almas danificadas, que, assim como em uma interminável rodada de cartas, precisam umas das outras para manter o jogo da vida em andamento.
Filme: The Card Counter
Direção: Paul Schrader
Ano: 2021
Gêneros: Crime/Thriller
Nota: 8/10