“Kramer vs. Kramer” é um dos raros filmes a abordar o divórcio com todas as nuanças que essa tragédia tão particular reúne. Um marido que acha que, ao esmerar-se pela ascensão na carreira o mais depressa possível, já está a fazer tudo pela manutenção da família bate de frente com a esposa, que há algum tempo reflete sobre a pobreza de sua condição e decide sair de casa. Robert Benton usa de um argumento banalíssimo para falar de dores as mais profundas entre duas pessoas que se amam, mas que parecem ter esticado tanto a corda, varrido tanto os problemas para debaixo do tapete que sua relação virou uma farsa grotesca. Para que a mágica tome forma, o diretor vale-se de um truque inventivo, que só funciona porque sabe que tem à mão dois dos melhores atores de Hollywood, apontando para emoções opostas e imprimindo-as no público, que pende para um e outro lado sem medo de patrulhas.
Um banjo e um violão tocam na abertura em notas altas, enganando quem assiste e tornando mais suave a primeira impressão do enredo. Tudo em “Kramer vs. Kramer” tem um quê de sofisticação, e a trilha sonora se encarrega de levar a audiência para algum lugar em sua memória onde viver era mais fácil. O roteiro, uma engenhosa adaptação do romance homônimo de Avery Corman, de 1977, afasta-se da tentação do melodrama e vai se encaminhando para o que é de fato na primeira grande cena. Ted Kramer, um publicitário talentoso e bem-sucedido, volta para casa depois de um dia de trabalho e se depara com a esposa chorosa. Ela quer lhe dizer que o casamento acabou e já está com as malas prontas, mas ele não presta a menor atenção e trata de se concentrar na nova campanha que pode ser a chance de que tanto precisava.
Depois de uma conversa tensa, em que as vozes mantêm-se num tom civilizado, Joanna vai mesmo, entre olhares furtivos e lágrimas que se avolumam enquanto a porta do elevador fecha-se, e Ted está sozinho com Billy, o filho do casal, que precisa ser levado à escola na manhã seguinte, após um café da manhã reforçado. O que vem a seguir é uma agridoce escalada de sentimentos, com Ted se esforçando para preparar torradas francesas para o menino, quebrando os ovos fora da caneca e fazendo a bagunça dantesca de que Billy tem horror, até quase causar um incêndio na cozinha.
Essa é uma amostra ligeira da azeitada parceria insólita de Dustin Hoffman e Justin Henry, o alicerce do filme até o terceiro ato, momento em que Benton expõe no conflito central propriamente. Até lá, o diretor fixa-se na convivência de Ted e Billy, pai e filho completamente estranhos um ao outro, o que se atesta por detalhes saborosos dos diálogos entre Hoffman e Henry, cheios de óbvios improvisos. O garoto já conta sete anos, mas o pai não sabe em que série ele está — por lado, Ted é atento o bastante para notar que o filho não tem lavado o cabelo quando toma banho.
Oito meses mais tarde, quando Joanna, a mãe e ex-mulher que parecia afinal realizada sem marido e filho pequeno, volta, o filme passa a uma nova configuração diante da longa cena do julgamento pela da guarda da criança. Se Ted e Billy dominaram (com justiça) o filme até aqui, Meryl Streep, generosa, faz valer seu star appeal no momento em que sua anti-heroína presta depoimento tentando inspirar alguma empatia no juiz, conseguindo não partilhar a responsabilidade pela educação do menino, mas tomá-lo do pai que, aos trancos e barrancos, suportou os golpes e deu conta da tarefa na ausência dela, inclusive forçando uma entrevista para um novo emprego na véspera de Natal depois de ter sido defenestrado pelo chefe justamente por não poder mais dedicar-se como antes.
O roteiro de Benton, com colaborações de Streep, não deixa nada de fora, e exige muito dos três e de nós. Todos são recompensados: no ano seguinte, “Kramer vs. Kramer” ganhou o Oscar de Melhor Filme, Robert Benton levou sua estatueta por Melhor Roteiro Adaptado e Melhor Direção, e Meryl Streep e Dustin Hoffman, claro, os de Melhor Atriz Coadjuvante e Melhor Ator, respectivamente. Quanto ao espectador, fica a sensação de que o cinema já foi mais estimulante e a Academia, menos pobre.
Filme: Kramer vs. Kramer
Direção: Robert Benton
Ano: 1979
Gêneros: Drama
Nota: 10