O filme europeu que ganhou 2 Oscars em 2024 e foi indicado a 157 prêmios está no Prime Video Divulgação / A24

O filme europeu que ganhou 2 Oscars em 2024 e foi indicado a 157 prêmios está no Prime Video

“Zona de Interesse” mergulha o espectador no grotesco cenário do nazismo durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), ao acompanhar a trajetória de Rudolf Höss, um dos oficiais mais implacáveis do Terceiro Reich. Ao se instalar com sua família em uma casa próxima ao campo de extermínio de Auschwitz, Höss comandava as operações de genocídio com uma frieza meticulosa. Sua proximidade ao campo onde ocorriam os horrores da Solução Final, o plano de extermínio dos judeus, torna ainda mais impactante a forma como o filme retrata a indiferença do mal em sua forma mais banal, um conceito popularizado pela filósofa Hannah Arendt. Com cada detalhe, a narrativa destaca o quanto a crueldade pode ser exercida com uma rotina quase burocrática, o que confere à história um tom de desconforto profundo.

O roteiro adaptado por Jonathan Glazer, baseado no romance homônimo de Martin Amis, conduz o público por uma atmosfera perturbadora, onde o cotidiano dos Höss é contrastado com o horror invisível de Auschwitz. A fotografia, conduzida com maestria por Lukasz Zal, faz uso intenso da luz natural para criar uma estética limpa e aparentemente serena, enquanto, à distância, nuvens de fumaça preta se erguem, sinalizando os incontáveis corpos sendo incinerados. Nesse ambiente, o espectador é levado a perceber o quanto a família Höss parece indiferente a tudo que ocorre ao seu redor. Christian Friedel e Sandra Hüller, que interpretam o casal central, entregam performances marcantes, representando personagens que, apesar de conscientes dos horrores, continuam suas vidas como se nada estivesse errado.

A estética visual do filme reflete a dissociação emocional da família, o que torna a trama ainda mais desconcertante. As interações entre os personagens são cuidadosamente calculadas para destacar essa desconexão, criando uma atmosfera onde a violência não é apenas física, mas também psicológica. O visual clean, quase estéril, contribui para a ideia de que a morte e a destruição são tratadas como parte do cotidiano. Glazer conduz o público por essa jornada com precisão, utilizando o som como elemento fundamental. Os murmúrios e gritos dos prisioneiros que morrem nas câmaras de gás, cujas paredes foram arranhadas até o último momento, invadem o silêncio opressor do filme, penetrando nas paredes da casa dos Höss e, consequentemente, nas mentes dos espectadores.

Essa convivência com o mal é intensificada pela narrativa de Glazer, que desafia o espectador a refletir sobre a natureza da maldade e a capacidade humana de se adaptar ao horror. O filme não apresenta novos fatos ou personagens inéditos, mas questiona a relevância de revisitarmos essa história, trazendo à tona a pergunta sobre o que motiva pessoas comuns a se deixarem seduzir por ideologias tão destrutivas. A normalidade aparente da família Höss contrasta profundamente com o genocídio em curso, mostrando que o mal pode florescer em qualquer ambiente, desde que seja devidamente racionalizado.

Um dos aspectos mais impactantes do filme é o uso da estética da limpeza e da ordem. Höss aparece muitas vezes em cena trajando um terno branco impecável, enquanto sua esposa surge em um vestido rosa, quase como se participassem de uma farsa macabra. A ideia de uma comédia de vaudeville permeia a relação entre os dois, uma forma de vida vazia de significado real, enquanto ao redor a morte e a desumanidade atingem níveis indescritíveis. A construção desse cenário, onde a vida e a morte se misturam de maneira tão casual, amplia a sensação de desconforto que percorre todo o filme.

O desfecho, editado por Paul Watts, traz uma virada crucial ao levar os espectadores ao Memorial de Auschwitz, onde os objetos deixados pelas vítimas, como sapatos e malas, permanecem como testemunhos eternos do sofrimento indescritível. A visita a este memorial traz uma última reflexão sobre a permanência da dor e da memória, oitenta anos depois do fim do regime nazista. Essa contraposição entre a brutalidade da história e a tentativa da arte de capturar sua profundidade é o que torna “Zona de Interesse” uma obra única. A verdade da história não pode ser apagada, e seus resquícios ainda ecoam, lembrando-nos dos perigos de ignorar os fantasmas do passado.


Filme: Zona de Interesse 
Direção: Jonathan Glazer 
Ano: 2023 
Gêneros: Drama/Suspense  
Nota: 10