Obra-prima de Sofia Coppola, ignorada pelo público, com Nicole Kidman e Elle Fanning, é uma das joias escondidas da Netflix Divulgação / American Zoetrope

Obra-prima de Sofia Coppola, ignorada pelo público, com Nicole Kidman e Elle Fanning, é uma das joias escondidas da Netflix

Um turbilhão de emoções invade o espectador logo nos primeiros momentos de “O Estranho que Nós Amamos”, onde algumas impressões são inocentes e outras, quase brutais. De igual modo, não é possível dissociar Sofia Coppola deste projeto, cuja visão afiada e sensível revela a profundidade humana, especialmente no que tange ao universo feminino.

Coppola encara a intricada história de John McBurney, um cabo da União ferido na Guerra Civil Americana, com um olhar sem concessões. Após ser atingido pelas tropas confederadas, ele foge do regimento onde servia, um ato do qual se envergonha, mas por pouco tempo. A adaptação que Coppola faz de “The Beguiled”, romance de Thomas P. Cullinan, mantém a essência sombria dos personagens, como também observado na versão anterior de Don Siegel.

No estado da Virgínia, durante o terceiro ano da Guerra Civil, Amy, a jovem estudante de um colégio feminino, encontra McBurney quase morrendo sob uma árvore e o leva até sua escola. A interação entre Oona Laurence e Colin Farrell cria um momento tocante, enquanto a fotografia de Philippe Le Sourd equilibra luz e escuridão, amplificando o clima melancólico e vital. A caminhada até a escola drena o que resta de força no desertor, que desaba aos pés de Martha Farnsworth, a diretora, interpretada por Nicole Kidman, após a personagem de Laurence gritar por socorro.

Kidman destaca-se ao retratar as várias facetas de Martha, ecoando sua performance enigmática em “Os Outros”, mesclada com a dureza vista em “Dogville”. Kirsten Dunst, colaboradora frequente de Coppola, oferece uma atuação igualmente densa, enquanto sua personagem Edwina tenta resistir à influência perturbadora de McBurney. Ao longo da trama, Edwina se vê competindo pela atenção do cabo com Alicia, a provocante jovem vivida por Elle Fanning.

A diretora constrói uma atmosfera de ambiguidade moral, evocando ecos de tragédia romântica com uma estética que lembra obras literárias como as de Giovanni Boccaccio ou Gregório de Matos. O desfecho inesperado revela as contradições internas de cada personagem e, por fim, a solução encontrada para lidar com McBurney traz um certo alívio, ainda que deixe um gosto amargo, refletindo a complexidade da natureza humana.


Filme: O Estranho que Nós Amamos
Direção: Sofia Coppola
Ano: 2017
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 9/10