O melhor faroeste de 2024: série da Netflix vai te transportar diretamente ao Velho Oeste do século 19 Divulgação / Netflix

O melhor faroeste de 2024: série da Netflix vai te transportar diretamente ao Velho Oeste do século 19

Uma nação é feita de homens e lendas. No caso dos Estados Unidos, o Velho Oeste, uma terra sem lei ao longo do século 19, personagens imbuídos de um desejo de retaliação, que se atiram sem medo a uma jornada contra quem desestabiliza a concórdia de seus domínios, foram se tornando sacerdotes profanos e bárbaros, mestres na arte oculta de fazer seu lado mais primitivo uma força temida não só por quem os rodeia, mas por toda a gente. Wyatt Berry Stapp Earp (1848-1929), o mítico xerife de fronteira que acaba preferindo a vida de aventuras dos garimpos e salões de jogos, talvez seja a figura mais estudada da América dos tempos das diligências, e assim mesmo, pairam sobre esse sujeito antes inclinado ao bem comum e a um estoicismo quase suicida, dúvidas acerca do que mais o teria realmente motivado a essa metamorfose tão brutal, se o desejo de vingança ou o tilintar das moedas. 

“Wyatt Earp and The Cowboy War” é o esforço mais aguerrido de se desmistificar a imagem santificada de Earp, feita eterna em filmes a exemplo do longa homônimo dirigido por Lawrence Kasdan, de 1994, ou “O Primeiro Tiro — A Lenda de Wyatt Earp” (2019), de Christopher Forbes. Em seis episódios, Patrick Reams reconstitui boa parte da jornada de seu anti-herói, desfazendo alguns dos equívocos acerca do que se convencionou entender como o “verdadeiro” Wyatt Earp, um tipo nada comum.

Muito do prestígio de Earp foi gradualmente apagado da História, restando apenas a lembrança de uma época distante em que gente como ele era encarada sob a perspectiva dos grandes desbravadores que foram, não obstante sua grandeza e mesmo o espaço físico que um dia ocuparam já fossem uma imagem pálida no horizonte da memória. Earp e seus irmãos ergueram um império em Tombstone, e aí já começa a cair por terra um dos grandes enganos perpetrados por quem fala do que não conhece. Aquele pedaço de mundo perdido ao sul do Arizona nunca foi “um inferno sujo, empoeirado e sem lei”, como Hollywood fazia questão de retratá-lo, sobretudo nos filmes da Era de Ouro (1920-1960), mas um polo cultural financiado por uma inestimável jazida de toneladas de prata. 

Ed Harris empresta o grave de sua voz a fim de dar a justa medida de circunspecção e temor quanto ao que se passava em Tombstone entre 26 de outubro de 1881 e o final de 1882, depois do episódio mais sangrento e traumático do Velho Oeste. Os trinta segundos do tiroteio entre cowboys, indivíduos à margem da lei, e os agentes da ordem nas proximidades do O.K. Corral ecoam ainda hoje, e não por acaso. A iminência de uma nova guerra civil, com a reedição dos enfrentamentos entre confederados e ianques de 1861 a 1865, chacoalha a política, a ponto de Grover Cleveland (1837-1908) ser eleito o primeiro democrata desde os conflitos do Sul escravagista contra o Norte, favorável à abolição, sucedendo a Chester Arthur (1829-1896), um pato manco já bem antes do fim de sua gestão, que só podia observar, de longe, o circo pegar fogo.

Reams costura a atuação de Earp mencionando a morte de um de seus irmãos e o nascimento da saga por vingança que atravessa sua vida. Tim Fellingham leva o personagem até os setenta anos, sem as grandes pirotecnias de maquiagem, momento em que o velho ex-xerife torna-se um mito também na indústria cinematográfica, em produções nas quais tentou transmitir seu ponto de vista de um enredo que foi o próprio ar que o manteve de pé. Dez anos mais tarde, foi se apresentar em outra freguesia.


Série: Wyatt Earp and The Cowboy War
Direção: Patrick Reams
Ano: 2024
Gêneros: Documentário/Drama/Faroeste 
Nota: 8/10