A maior atuação de Michelle Pfeiffer, inspirada na Teoria do Absurdo de Albert Camus, está na Netflix Divulgação / Rocket Science

A maior atuação de Michelle Pfeiffer, inspirada na Teoria do Absurdo de Albert Camus, está na Netflix

A comédia observacional dirigida por Azazel Jacobs, adaptada do romance de Patrick DeWitt, nasce de uma longa parceria entre o cineasta e o escritor. O projeto teve início em um bar, quando DeWitt ainda trabalhava como barman e ofereceu os primeiros esboços da obra para Jacobs, que logo viu o potencial cinematográfico. Esse elo criativo os uniu, resultando na decisão de transformar a história em filme. Eles já haviam colaborado antes, mas este projeto marca um novo nível de cumplicidade artística.

Michelle Pfeiffer assume o papel central como Frances Price, uma viúva milionária cuja fortuna está se esvaindo rapidamente. Morando em Nova York com seu gato, que acredita ser a reencarnação de seu falecido marido, Frances decide passar seus últimos dias em Paris quando o dinheiro acabar. A trama flerta com o estilo das comédias neuróticas de Woody Allen, misturando ironia e charme, com uma estética que remete a crônicas do The New Yorker. A personagem é um emblema de glamour decadente, e sua conexão com o filho Malcolm, interpretado por Lucas Hedges, é uma combinação de cumplicidade e relação tóxica.

A obra é ao mesmo tempo cômica e melancólica. A socialite interpretada por Pfeiffer é afiada e amarga, mas há uma vulnerabilidade profundamente humana que impede o público de detestá-la. Frances é uma mulher tão rica que está descolada da realidade cotidiana, e mesmo assim, suas frustrações e revoltas são palpáveis. Ela nos faz refletir sobre o abismo entre a riqueza e a humanidade. Essa figura contraditória e magnética prende a atenção, encantando com sua crueldade que, curiosamente, não nos afasta.

Sua relação com o filho Malcolm é marcada pela falta de afeto verbal, mas a cumplicidade que compartilham revela uma conexão íntima, quase silenciosa, de almas. Frances parece insensível ao mundo, mas é evidente que ninguém pode feri-la mais do que ela mesma. Seu magnetismo continua a atrair, mesmo quando ela responde com desdém àqueles ao seu redor. Isso fica claro quando a anfitriã Madame Reynard a convida para uma festa que, na verdade, é apenas uma tentativa solitária de amizade. A frustração de Frances, contudo, vai além do evento, refletindo sua própria desilusão com a vida.

Quando o gato desaparece, uma busca inusitada começa. Com a ajuda de Malcolm e Madame Reynard, Frances contrata um detetive e uma quiromante com a esperança de reencontrar o animal. Esse momento surreal se intensifica quando Susan, a ex-namorada de Malcolm, e seu noivo Tom aparecem em Paris, em um estranho confronto afetivo. A situação se desdobra em uma comédia de erros, mas também abre espaço para novos personagens ocuparem os vazios deixados pelos antigos, enriquecendo a dinâmica do enredo.

“French Exit” não é feito para agradar a todos. Ele exige que o espectador encontre um ponto de conexão com a acidez e excentricidade de seus personagens. Para alguns, a identificação será imediata; para outros, pode parecer entediante e desconcertante. Em última análise, é uma obra que vai além da comédia fácil e comercial, pedindo um esforço maior de seus espectadores para mergulhar em sua mistura de humor e melancolia.


Filme: French Exit
Direção: Azazel Jacobs
Ano: 2020
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 8/10