Filmes ambientados em tribunais preservam uma aura peculiar que atrai o público fiel, seja por identificação profissional ou pela curiosidade de imaginar-se participando de julgamentos extravagantes — quem nunca cogitou assistir ao julgamento de uma figura famosa envolvida em um crime bárbaro, como o assassinato do cônjuge a golpes de machete? Porém, o que parece fascinante à primeira vista, muitas vezes acaba se revelando monótono. “Versões de um Crime” explora esse universo com uma dose de cinismo, recorrendo a um elenco que ameniza algumas das falhas evidentes da produção.
A diretora Courtney Hunt, apesar de ter uma filmografia esporádica, já demonstrou seu talento em projetos anteriores, como o aclamado “Rio Congelado” (2008), que rendeu a Melissa Leo uma indicação ao Oscar de Melhor Atriz. Embora Leo tenha conquistado a estatueta apenas em 2010, por “O Vencedor”, o filme de Hunt marcou sua trajetória. Entretanto, em “Versões de um Crime”, Hunt opta por uma abordagem mais modesta, repetindo clichês comuns em histórias jurídicas, o que revela uma certa falta de ousadia em explorar novos caminhos. Embora algumas cenas tenham impacto, o filme não escapa da armadilha de se prender a fórmulas previsíveis, difíceis de evitar nesse tipo de narrativa.
Um dos pontos mais controversos de “Versões de um Crime” é também o que pode ser visto como sua principal virtude: o roteiro de Nicholas Kazan é claramente influenciado por gigantes do gênero, como John Grisham. A trama se desenrola quase inteiramente no tribunal, onde o caso de homicídio é julgado. Keanu Reeves interpreta Ramsey, o advogado encarregado de defender Mike, um jovem acusado de matar o próprio pai, Boone Lassiter, papel de Jim Belushi. A história apresenta uma tensão logo de início, ao revelar que Mike é não apenas o suspeito, mas também filho da vítima, o que adiciona uma camada de complexidade ao enredo.
O filme poderia facilmente se perder em várias subtramas, mas Hunt escolhe focar no aspecto central da relação conturbada entre Mike e seus pais. Renée Zellweger vive Loretta, a mãe de Mike, uma mulher que suportou anos de abuso, o que inevitavelmente deteriorou o vínculo entre o filho e o pai. Mike é encontrado ao lado do corpo de Boone, e as evidências parecem inegáveis: suas impressões digitais estão na arma do crime, e ele parece ter confessado o assassinato, permanecendo em um silêncio perturbador desde então.
Hunt utiliza flashbacks de maneira estratégica, buscando oferecer uma explicação plausível para o comportamento explosivo de Mike, sugerindo que o crime pode ter sido motivado por um momento de fúria. No entanto, à medida que o julgamento avança, Ramsey e sua assistente Janelle, interpretada por Gugu Mbatha-Raw, começam a questionar a confiabilidade das testemunhas e a integridade do processo, o que traz à tona algumas surpresas, culminando em um desfecho quase surreal.
Apesar de suas falhas, “Versões de um Crime” tem seus méritos, especialmente para aqueles que apreciam a construção detalhada de dramas jurídicos. O desempenho de Gabriel Basso como Mike confere ao filme um certo grau de autenticidade, ajudando a atenuar os problemas típicos desse tipo de narrativa. Ainda assim, o desperdício de talentos é evidente, e Hunt parece incapaz de contornar essa questão. No final das contas, o filme carece de uma razão convincente para se destacar, desmoronando em seus próprios tropeços e deixando a impressão de que muito ficou pelo caminho.
Filme: Versões de um Crime
Direção: Courtney Hunt
Ano: 2016
Gêneros: Drama/Thriller
Nota: 7/10