Obra-prima do cinema sul-coreano, na Netflix, é uma aula de história e um dos filmes mais assistidos da atualidade

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Francamente desenvolvimentista, Yi Seong-gye (1335-1408), o rei Taejo, fundador da dinastia Joseon, era um entusiasta da filosofia do chinês Confúcio (551 a.C – 479 a.C), adaptada para a realidade de seu país. A Coreia, um só povo até o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando os japoneses foram expulsos, era uma terra de progresso ostensivo, na qual a ciência e as artes recebiam o necessário aporte financeiro e a navegação comercial veio a se tornar uma potência. A dinastia Joseonteve início em 1392, permanecendo à frente do governo da Coreia pelos cinco séculos que se seguiram, até 1897. Nesses quinhentos anos, a pujança do império também galvanizou o anseio por dias de plena evolução, o que incluía a queda das invencíveis barreiras sociais. Com “Guerra e Revolta”, Kim Sang-man descortina um capítulo da história da Coreia feito de resistência e de sangue, liderado por JeongYeo-rip (1546-1589), um notório iconoclasta, um antípoda do confucionismo que ousou pensar que todos eram iguais e, portanto, não deveria haver senhores. Yeo-rip não ficou nas frases de efeito, e assim se vivia na Grande Unidade, o pedaço utópico de mundo criado por ele onde o alimento era dividido entre nobres e escravos, que praticavam juntos artes marciais. Kim reconstitui uma fração da biografia de Yeo-rip, em especial o que acontece depois de seu suicídio durante o reinado de Seon-jo(1552-1608), com um golpe de espada no pescoço aos 43 anos, acusado de traição e cercado pelo exército real. Com precisão histórica, lirismo e, claro, movimento. Muito movimento.

Junto com os corroteiristas Park Chan-wook e Shin Chul, o diretor aposta na força do argumento central, a que vai acrescendo sequências de batalhas campais com milhares de homens (e algumas mulheres) se enfrentando por liberdade e honra. Jong-ryeo, o filho de um conselheiro de Seon-jo, precisa aprender rápido a se defender e, como se dava na época, escolhia-se um escravo para receber as vergastadas que lhe caberiam sempre que cometesse uma falha. É assim que ele conhece Cheon Yeong, não muito disposto a esse papel de uma submissão estoica, e os dois, por serem ainda tão ingênuos — embora o jovem criado já tenha sentido o gosto acerbo da desilusão de tudo ao se deparar com o cadáver do pai, enforcado no quintal da casa onde nascera —, mantém uma amizade que levam pela vida afora. Muitos outros personagens entram nessa saga caudalosa, que peca pelo excesso, mas “Guerra e Revolta” pode muito bem ficar entre as finas camadas da relação entre Jong-ryeo e Cheon Yeong, com Jong-ryeo e Gang Dong-won catalisando os grandes momentos da trama, conto verídico sobre dignidade e amor à pátria, ainda que com uma moldura belicista. Talvez nunca tenha havido, nem na Coreia do século 16, nem em parte alguma, lugar para sonhadores.Assim nascem os verdadeiros heróis e as lendas de carne e osso.


Filme: Guerra e Revolta
Direção: Kim Sang-man
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Guerra/Drama
Nota: 9/10