Mariana Chenillo dirige e escreve uma obra impactante e sensível em “Cinco Dias Sem Nora”, uma comédia dramática espanhola que transita entre humor e dor ao narrar a jornada inusitada de José Kurtz (Fernando Luján) para lidar com o suicídio de sua ex-esposa, Nora (Silvia Mariscal). A trama se desenrola durante os cinco dias que antecedem a Pessach, o feriado judaico, revelando uma complexa dinâmica familiar marcada por rituais, descobertas e afetos inesperados. Apesar do distanciamento emocional que José mantém em relação às tradições judaicas, a religião da família ocupa um papel central na narrativa, complicando ainda mais os desafios do luto.
O filho do casal, Rubén (Ari Brickman), interrompe suas férias às pressas para garantir que os procedimentos religiosos estabelecidos pela Torá sejam seguidos à risca. A urgência não reside apenas na organização do funeral, mas também na tentativa de lidar com as divergências sobre como honrar a memória de Nora. José e Nora estiveram casados por três décadas, e, embora divorciados há 20 anos, mantinham uma amizade peculiar e eram vizinhos. Essa proximidade torna o luto ainda mais ambíguo para José, que, em meio à confusão, descobre uma série de segredos deixados pela ex-esposa.
Com uma abordagem que combina drama e humor, a trama nos apresenta cenas absurdas e cômicas: as netas de José brincam de vampiro com o corpo da avó; o rabino se vê em um dilema quando José, ignorando a proibição de alimentos fermentados na Pessach, lhe oferece uma pizza de calabresa; e uma prima distante de Nora surge na casa, alegando ter sido convidada pela falecida para preparar a refeição do funeral. A narrativa se desenvolve por meio desses momentos que, ao mesmo tempo que causam risadas, evidenciam o desalinhamento entre as intenções dos personagens sobre o que seria a forma mais adequada de lidar com a perda.
Entre as descobertas mais dolorosas, José encontra evidências de um antigo relacionamento extraconjugal de Nora, ocorrido durante o casamento. A revelação desperta nele um misto de mágoa e saudade, evidenciando que o amor por Nora nunca deixou de existir, apesar das feridas do passado. Além disso, a trama sugere que Nora havia minuciosamente planejado seu próprio funeral, incluindo até mesmo a encomenda das comidas para os convidados. Essa antecipação meticulosa provoca em José uma sensação agridoce, deixando claro que ele nunca conseguiu compreender totalmente a mente da mulher que amou.
Os flashbacks ao longo da história revelam a batalha silenciosa de Nora contra a depressão, uma luta marcada por quatorze tentativas frustradas de suicídio antes de finalmente conseguir pôr fim à própria vida. A relação dela com o médico da família, que comparece ao funeral, se revela mais profunda do que inicialmente esperado, adicionando mais uma camada de complexidade às memórias que José tem de sua ex-esposa.
A trama não se limita ao luto individual de José, mas explora como a morte de Nora afeta todos à sua volta. O caos inicial vai, aos poucos, se transformando em uma espécie de reconciliação coletiva. Ainda que os desentendimentos e mal-entendidos predominem nos primeiros dias, um fio invisível de afeto une as pessoas, relembrando a importância dos laços que, mesmo rompidos, nunca desaparecem por completo. O ponto mais crítico surge quando o cemitério se recusa a aceitar o corpo de Nora, justificando que o suicídio é uma transgressão à vontade divina segundo os preceitos da Torá. Esse obstáculo, no entanto, apenas reforça a união dos envolvidos, que encontram uma forma alternativa de homenagear Nora.
A narrativa culmina em um momento simbólico, quando, ao final dos cinco dias, Nora finalmente é sepultada. A cerimônia fúnebre se sobrepõe às festividades da Pessach, transformando o que poderia ser uma despedida triste em uma celebração de vida. O contraste entre a solenidade do funeral e a leveza das interações familiares gera uma atmosfera única, onde a alegria e o luto coexistem em perfeita harmonia.
A delicadeza da direção de Chenillo nos coloca como espectadores íntimos dessa família, como se também estivéssemos na sala de estar, participando das conversas e das situações cômicas e emocionantes que surgem. O roteiro, ao mesmo tempo sutil e profundamente humano, nos convida a refletir sobre a imperfeição dos relacionamentos e o peso das memórias que carregamos. Cada personagem, com suas manias e idiossincrasias, contribui para criar uma sensação de familiaridade e conforto, como se, de alguma forma, já os conhecêssemos.
Com sua narrativa envolvente e momentos inesperadamente engraçados, “Cinco Dias Sem Nora” é mais do que apenas uma história sobre luto e despedida — é uma celebração da complexidade dos sentimentos humanos. O filme nos relembra que, em meio ao caos das relações, existe sempre espaço para o afeto, e que, no fim, o amor é o que realmente prevalece, mesmo nos momentos mais improváveis.
Filme: Cinco Dias Sem Nora
Direção: Mariana Chenillo
Ano: 2008
Gênero: Comédia / Drama
Nota: 9/10