O filme da Netflix, sensível e leve, que explora o conceito de amores líquidos, inspirado nas ideias do sociólogo Zygmunt Bauman

O filme da Netflix, sensível e leve, que explora o conceito de amores líquidos, inspirado nas ideias do sociólogo Zygmunt Bauman

Quando genuíno, o amor deixa cicatrizes, mas também revela caminhos de cura. Em um universo de privilégios e aparências, onde o charme se transforma em moeda de troca, surge a questão: pode um homem que vive rodeado de mulheres deslumbrantes, mergulhado em festas e glamour, se permitir sentir a emoção mais essencial e humana? Essa dúvida conduz a narrativa de “Um Verdadeiro Cavalheiro”, filme dirigido por Onur Bilgetay, que desvela a fragilidade oculta por trás de uma existência voltada ao prazer imediato. O longa transita por temas esquecidos ou ignorados, até que o tempo nos obriga a confrontá-los, revelando que, no fim das contas, as posses materiais são insuficientes para preencher o vazio interior.

Bilgetay constrói essa reflexão a partir da trajetória de um homem cuja rotina é sustentada por papéis que o aprisionam: gigolô, acompanhante e prostituto de luxo. Ao longo dos anos, ele se vê desprovido de significado, imerso em um vazio que o empurra para a busca de algo mais profundo — uma felicidade genuína e realização pessoal, desejos tão almejados e raramente alcançados. O roteiro, assinado por Deniz Madanoglu, concentra-se na exploração meticulosa das nuances do protagonista, expondo não apenas suas angústias, mas também o impacto dessas descobertas sobre o espectador, que é conduzido a um envolvimento quase visceral com a história.

Na medida em que as camadas da trama se desdobram, a narrativa questiona se a vida seria apenas uma série de momentos efêmeros e desconexos, destinados a se esvaírem com o tempo. A passagem dos anos traz a percepção inevitável de que, por mais que se prolongue, a existência física tem limites intransponíveis. Assim, a figura de Saygın emerge como a personificação de emoções que as mulheres ao seu redor mantêm reprimidas, revelando uma dinâmica de superficialidade que, ironicamente, acaba por tocar as profundezas de sua própria alma. Envolvido no ofício de seduzir mulheres ricas, ele se vê prisioneiro da imagem projetada por sua empresária — uma mulher pragmática que o trata como um objeto de prazer e performance infalível, incapaz de admitir qualquer falha.

Contudo, a previsibilidade do mundo ao qual pertence é subvertida por uma inesperada reviravolta. Como se o destino, com suas artimanhas, decidisse pregar uma peça, o protagonista se depara com sentimentos antes impensáveis, provocando uma ruptura em sua trajetória. Nesse momento, “Um Verdadeiro Cavalheiro” transcende a esfera do erotismo ligeiro para abraçar uma narrativa romântica com vigor e delicadeza. A história encontra seu ponto de virada ao explorar os desejos quase infantis do protagonista, revelando uma faceta vulnerável e desconhecida. Essa transformação ganha força graças à química inegável entre Çağatay Ulusoy e Ebru Şahin, intérpretes que dão vida ao protagonista e à jovem Nehir, a típica heroína das produções turcas, cujo papel é essencial para a redenção emocional do anti-herói.

Embora a estrutura do enredo siga uma fórmula conhecida, é justamente essa previsibilidade que lhe confere uma eficácia notável. A transformação do protagonista não é apenas uma mudança de comportamento, mas uma jornada íntima que convida o público a repensar os conceitos de amor e realização. “Um Verdadeiro Cavalheiro” oferece uma experiência envolvente e sincera, demonstrando que, mesmo dentro dos limites de uma narrativa convencional, é possível encontrar autenticidade e profundidade.


Filme: Um Verdadeiro Cavalheiro
Direção: Onur Bilgetay
Ano: 2024
Gêneros: Drama/Romance 
Nota: 8/10