Quanto mais se acumula, mais se deseja — e, no fim, acaba-se ganhando menos do que se esperava, arriscando perder quase tudo. Esse é um dos pensamentos que nos fica após mais de duas horas de “Comer, Rezar, Amar”, uma espécie de “Odisseia” contemporânea, uma releitura pós-moderna e feminista do épico de Homero, embalada em uma produção robusta. Elizabeth Gilbert, a figura central desta jornada, carrega em si a busca incessante por estabilidade emocional enquanto se rende aos prazeres da vida, ainda que sem perceber que segue os passos do “carpe diem” de Horácio. Deixa sua Nova York natal e atravessa lugares como Bali, Índia e Itália, descobrindo que a verdadeira serenidade está mais perto do que ela imaginava — em um espaço interno que apenas ela pode acessar.
Compreendendo essa sede por respostas que o mundo externo não consegue saciar, Ryan Murphy adapta o livro homônimo de Gilbert, publicado em 2006 e um sucesso de vendas duradouro, figurando na lista do “The New York Times” por mais de 180 semanas. A trama ressalta as complexidades e contradições de sua protagonista, uma mulher em constante inquietude, em busca de transformação e significado. A personagem cresce, mas aprende que não há uma resposta definitiva para seus dilemas, apenas uma série de revelações que a conduzem ao autoconhecimento.
A história se abre com Liz pedalando entre os campos de arroz de Bali, refletindo sobre as mazelas humanas que transcendem status social ou riqueza. Ela une o útil ao agradável ao planejar um ensaio sobre as práticas espirituais do Oriente, e se dirige ao retiro de Ketut Liyer, um sábio que, interpretado por Hadi Subiyanto, oferece conselhos tão óbvios quanto intrigantes. Ele lhe entrega uma imagem de uma divindade hindu equilibrando-se sobre quatro pernas, um símbolo que adquire maior relevância no desfecho do filme. Em seus quarenta e poucos anos, Liz enfrenta uma crise pessoal que se manifesta na incapacidade de amar, mesmo quando seus parceiros atendem todas as suas expectativas.
O roteiro, assinado por Murphy e Jennifer Salt, acentua de forma intensa as idas e vindas emocionais da protagonista, o que muitas vezes leva o espectador a sentir aversão por ela. No entanto, essa mesma personagem vai se revelando frágil e complexa, o que acaba gerando empatia. Esse arco emocional é habilmente construído, principalmente pela atuação magnética de Julia Roberts, que dá vida a Liz com uma sutileza envolvente. Em suas cenas com Stephen, interpretado por Billy Crudup, vemos o retrato de uma mulher que, embora tenha tudo, sente falta de uma vida comum e de um relacionamento estável.
Uma das sequências mais memoráveis ocorre durante uma festa de casamento, quando Liz e Stephen dançam ao som de “Celebration” do Kool & the Gang. Esse momento serve para eles trocarem as últimas palavras sobre seu relacionamento falido, num diálogo carregado de poesia e lirismo. Outra cena chave é uma conversa por telefone entre Liz e David, seu ex-namorado, interpretado por James Franco. Esse diálogo finaliza a tensão emocional entre eles, esclarecendo as promessas não cumpridas e trazendo um desfecho ao arco narrativo do personagem.
Após uma passagem pela Itália, onde Liz se entrega aos prazeres gastronômicos, a narrativa encontra seu verdadeiro ritmo na Ásia. É no templo de Nova Délhi, ao lado de Richard, interpretado por Richard Jenkins, que Liz passa a compreender mais profundamente suas descobertas pessoais. Sua amizade com Richard oferece o equilíbrio necessário para sua jornada, culminando com seu retorno a Bali, onde encontra Ketut novamente. De maneira cômica, o guru inicialmente não a reconhece, o que traz uma leveza inesperada à trama. Ao final, Richard volta para o Texas, e Liz encontra o amor nos braços de Felipe, o personagem de Javier Bardem, encerrando sua busca por equilíbrio emocional.
Se, como ensina Ketut, o desequilíbrio do amor é fundamental para alcançar a harmonia, Elizabeth Gilbert parece ter finalmente encontrado seu ponto de equilíbrio.
Filme: Comer, Rezar, Amar
Direção: Ryan Murphy
Ano: 2010
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10