Indivíduos abastados, em sua busca incessante por se distanciar da multidão comum, adotam comportamentos que, por vezes, até eles próprios acham peculiares. Esse esforço para se manterem longe da realidade dos menos favorecidos é, na verdade, o que os mantém no topo, sustentando o brilho e a distinção que acreditam merecer. No entanto, não há certeza absoluta de que fortunas impressionantes não possam evaporar de uma hora para outra, dissipando o encanto que tanto cultivam. Por essa razão, essas elites e seus aliados agem com sutileza, mas também são capazes de exibir suas estratégias de proteção, identificando e neutralizando ameaças antes que seus círculos percebam o perigo iminente.
Em 2019, Michael Engler adaptou para o cinema o universo fascinante de “Downton Abbey”, cuja história se estendeu por 52 episódios em seis temporadas. Três anos depois, Simon Curtis decidiu que era o momento de revitalizar a série da ITV com “Downton Abbey 2: Uma Nova Era”. O título já sugere uma fase mais ousada para os famosos aristocratas do início do século 20, que agora expandem suas atividades para uma localidade paradisíaca na Riviera Francesa, ou algum lugar similar.
À medida que se acumula riqueza, maiores são os riscos e as perdas. Embora pareça uma conclusão simples, o que se desvela na dinâmica dos afetos entre aqueles que se aventuram nesse campo vai além de um paradoxo brutal; é uma fonte constante de revelações. Quem decide beber dessa experiência, que pode ser turva ou amarga, encontra, por outro lado, um efeito redentor, terapêutico, que em muitas ocasiões tem o poder de curar. Existem inúmeras formas de expressar o mais profundo e sublime dos sentimentos humanos — aquele que carrega em si todos os desejos que alguém pode ter na vida, transformando até o que é insignificante em algo relevante. É o mesmo sentimento que nos faz rememorar o que temos de mais íntimo e oculto, algo que por tanto tempo ignoramos como parte essencial de nossa essência.
Violet Crawley, a astuta condessa viúva e chefe do clã, recebe a inesperada notícia de que herdou uma vasta propriedade no sul da França de um antigo amigo — alguém que ela não via desde os anos 1860, e agora, a trama se passa por volta de 1928. Grande parte da família viaja até lá, enquanto Downton Abbey é temporariamente cedida a uma equipe de filmagem, supervisionada pelos sempre atentos empregados da casa. Julian Fellowes, com sua habilidade narrativa, explora com delicadeza essa nova atmosfera de mistério que envolve a família de Violet, utilizando referências sutis e bem escolhidas, como as de “Singin’ in the Rain” (1952), de Stanley Donen e Gene Kelly.
Além disso, o filme traz elementos que lembram os romances de Jane Austen, refletindo em “Downton Abbey 2: Uma Nova Era” a mesma exposição dos segredos e medos que assombram a aristocracia, algo que Austen fez com maestria, especialmente em “Orgulho e Preconceito” (1813). Ela revela, com precisão, o quão utópico e ingênuo é esperar por uma sociedade verdadeiramente justa. No entanto, Curtis opta por não aprofundar essa crítica social; ao contrário, prefere focar em momentos iluminados, como raios de sol que atravessam a escuridão dos dilemas internos. E, ao fim, não há qualquer certeza de que o futuro reserva novos caminhos ou transformações.
Filme: Downton Abbey 2: Uma Nova Era
Direção: Simon Curtis
Ano: 2022
Gêneros: Romance/Drama
Nota: 8/10