Na Netflix: o filme que deu origem aos rumores de um suposto romance entre Colin Farrell e a casada Jessica Chastain Divulgação / GEM Entertainment

Na Netflix: o filme que deu origem aos rumores de um suposto romance entre Colin Farrell e a casada Jessica Chastain

A sociedade contemporânea demonstra uma profunda ruptura em seu desenvolvimento quando a vida humana passa a ser tratada como um simples bem de consumo, com valor monetário e prazo de validade. Este desvio civilizacional, por mais imperceptível que seja no dia a dia, revela o fracasso das instituições em manter a dignidade humana como o eixo central de sua função. O Estado, atolado em atribuições diversas, acaba, ainda que de maneira indireta, legitimando o uso desvirtuado do poder sobre a vida dos cidadãos, como se concedesse uma autorização tácita a determinados indivíduos para decidir o destino de quem incomoda, impondo o fim de uma existência da forma mais fria e pragmática possível.

Esse desvio abre espaço para uma sociedade em que a morte é tratada com banalidade, como se não houvesse mais qualquer limite moral ou ético. Em pouco tempo, megacorporações especializadas em “limpeza” social emergiriam, prontas para eliminar aqueles considerados inconvenientes, sob a justificativa de reduzir a violência, mas, na verdade, promovendo um estado de constante perigo e instabilidade. Uma vez que tal prática seria institucionalizada, a própria criminalidade se tornaria mais ousada, movida pela certeza de que a vida humana poderia ser comprada, vendida ou eliminada conforme interesses obscuros.

A ideia de combater crimes com mais crimes, como se fosse uma solução prática, é evidentemente fadada ao fracasso. Ainda que a realidade social se torne cada vez mais complexa e difícil, é essencial encontrar saídas que respeitem, no mínimo, um equilíbrio ético. No entanto, nem todos pensam assim. Muitos preferem explorar o caos para obter ganhos pessoais, apostando em uma lógica perversa de que quanto pior a situação, melhor para acumular suas próprias vantagens. Nesse cenário, encontramos a protagonista de “Ava”, uma figura que aparenta estar em paz com sua vida fora da lei, mas essa aparência não reflete a realidade. O diretor Tate Taylor traz uma personagem que, através de diálogos e ações chocantes, desafia o politicamente correto e não se importa em provocar reações negativas. Ava, interpretada por Jessica Chastain, é uma mulher sofisticada, conhecida no submundo pela peculiaridade de oferecer a suas vítimas uma falsa dignidade em seus momentos finais. Sua frieza pode ser confundida com uma excentricidade, mas ela própria sabe que está longe de ser normal, o que proporciona uma tensão que prende a atenção do público.

No roteiro escrito por Matthew Newton, a atriz Chastain se apresenta como o oposto da personagem Maya, do filme “A Hora Mais Escura” (2012), de Kathryn Bigelow, que tratava da perseguição a Osama Bin Laden. Ava, por sua vez, está mais próxima da figura perturbada que a atriz interpretou em “Os Olhos de Tammy Faye” (2021), dirigido por Michael Showalter. Ambas as personagens são marcadas por uma vida de traumas e fantasmas, tentando encontrar sentido em meio ao caos. Logo no início do filme, Ava, uma ex-alcoólatra em recuperação e antiga delinquente juvenil, surge impecavelmente vestida, conduzindo um homem do aeroporto de Paris até um local ermo. A tensão sexual que marca o diálogo inicial entre os dois personagens, vivido por Ioan Gruffudd, rapidamente se transforma em uma cena de violência impiedosa. Ava demonstra que, ao cumprir uma missão, não hesita em ultrapassar limites, reafirmando sua capacidade de manter o controle absoluto sobre a situação, sem se preocupar com as sensibilidades alheias.

Porém, as fragilidades de Ava vêm à tona em sua relação complicada com a mãe, Bobbi, interpretada com força por Geena Davis, e sua irmã Judy, vivida por Jess Weixler, agora casada com Michael, um antigo amor de Ava, interpretado de forma contida e eficaz pelo rapper Common. Do outro lado da trama, está Duke, vivido por John Malkovich, o mentor que a guiou até o auge de sua carreira como assassina profissional. Entretanto, essa carreira, marcada por sua posição de destaque, é também ameaçada por Simon, interpretado por Colin Farrell. Simon, ao perceber as fraquezas de Ava, a transforma em seu alvo, e a tensão entre os dois personagens se intensifica à medida que suas falhas são expostas. Simon não apenas tripudia sobre seus vícios, mas também tenta aproveitar suas vulnerabilidades para eliminá-la.

Nesse processo de revelação dos segredos e conflitos internos de Ava, o diretor Tate Taylor constrói um dos thrillers mais cativantes do cinema contemporâneo, tirando proveito do talento de Chastain e Davis. A personagem principal tenta, de alguma maneira, se redimir, reconciliar-se com a mãe e mudar o rumo de sua vida, mas está claro que sua jornada está profundamente comprometida por escolhas anteriores. O filme nos deixa a impressão de que Ava, mesmo querendo se libertar de seu passado, não pode fugir da vida que escolheu, e o tempo para esperanças já passou. Agora, resta-lhe apenas fingir que está em paz, enquanto luta para manter o controle em um mundo que está, constantemente, à beira do caos.


Filme: Ava
Direção: Tate Taylor
Ano: 2020
Gêneros: Thriller/Drama/Crime/Ação
Nota: 9/10