Considerado um dos melhores filmes brasileiros do século, obra-prima de Anna Muylaert está na Netflix e você não deveria ignorar Divulgação / Paris Filme

Considerado um dos melhores filmes brasileiros do século, obra-prima de Anna Muylaert está na Netflix e você não deveria ignorar

Após o sucesso de “Cidade de Deus” (2002), de Fernando Meirelles, o cinema brasileiro viveu uma renovação significativa. Foi como se produções que aguardavam nas mentes de cineastas brasileiros finalmente tomassem forma e ganhassem espaço no cenário nacional. Nos anos seguintes, embora o intervalo entre grandes sucessos ainda fosse extenso, novos filmes se destacaram. Em 2007, “Tropa de Elite”, de José Padilha, monopolizou as conversas, e, oito anos depois, outra produção brasileira trouxe à tona discussões sociológicas prementes, geralmente negligenciadas.

A diretora Anna Muylaert enfrentou o desafio de desvendar a complexa realidade de um grupo específico no Brasil. Segundo o IBGE, o país conta com aproximadamente 6,2 milhões de empregados domésticos, incluindo motoristas, jardineiros e, principalmente, empregadas domésticas. Essas mulheres, majoritariamente negras e oriundas do Nordeste ou Norte, exercem uma multiplicidade de funções — de faxineiras a cuidadoras. Suas vidas entrelaçam-se às de seus patrões, com quem compartilham momentos importantes, ainda que a partir da cozinha, onde escutam as conversas através das portas entreabertas.

A comédia dramática de 2015 narra a história dessas interações domésticas, fundamentada em uma premissa aparentemente simples, mas enriquecida por personagens cuidadosamente construídos, como Val, interpretada por Regina Casé. Val trabalha há anos em uma casa rica no Morumbi, São Paulo, após deixar sua filha Jéssica no Nordeste para buscar melhores oportunidades. Embora ausente fisicamente, Val garante o sustento de Jéssica enquanto cuida de Fabinho, o filho dos patrões. Sua rotina, marcada pela discrição, é transformada pela chegada de Jéssica, que decide seguir os passos da mãe, mas com o objetivo de estudar, e não servir.

Jéssica, ao chegar, desafia as normas tácitas da casa, questionando as dinâmicas estabelecidas entre patrões e empregados. Sua presença perturba especialmente Bárbara, a dona da casa, enquanto José Carlos, o patrão, vê em Jéssica um frescor que há muito perdeu. A relação entre eles se complica, revelando as fissuras geradas pela desigualdade social. A jovem, ambiciosa e destemida, navega entre essas tensões, expondo as camadas de uma realidade brasileira marcada por disparidades gritantes e a luta constante por reconhecimento e respeito.

A diretora Anna Muylaert usa essa história para abordar com sensibilidade as desigualdades sociais e as complexas relações de poder. A chegada de Jéssica à casa não apenas abala as dinâmicas familiares, mas também reabre antigas feridas para Val, que se vê dividida entre seu papel como empregada e mãe. A personagem de Casé, ao longo do filme, começa a questionar seu próprio lugar no mundo, enquanto Jéssica busca reafirmar sua identidade, recusando-se a aceitar as limitações impostas à sua mãe e às outras trabalhadoras domésticas.

O filme ilustra a luta silenciosa e contínua dessas mulheres, que dedicam suas vidas a cuidar das famílias dos outros, muitas vezes à custa de suas próprias. No final, o longa deixa uma mensagem clara sobre as relações de poder e a necessidade de uma transformação mais profunda na sociedade brasileira.


Filme: Que Horas Ela Volta?
Direção: Anna Muylaert
Ano: 2015
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 9/10