Publicada em 1817, “Persuasão” encerra a trilogia iniciada por Jane Austen com “Razão e Sensibilidade” (1811), um romance que reflete sobre o amor frente às necessidades práticas da vida. A sequência, “Orgulho e Preconceito” (1813), aprofunda a análise das dinâmicas familiares e financeiras, acompanhando a trajetória de uma família aristocrática em declínio que deposita suas esperanças na união matrimonial entre a filha mais velha e um pretendente abastado, embora a relação enfrente obstáculos inesperados, incluindo a interferência constante da mãe da jovem.
Situando-se entre o humor mordaz de “Orgulho e Preconceito” e o tom mais austero de “Persuasão”, “Emma” oferece uma perspectiva espirituosa sobre a alta sociedade inglesa do início do século XIX. Austen, já debilitada pela doença de Addison, uma condição autoimune desconhecida na época que a levaria à morte em 1817, imprime no texto uma ironia afiada e um olhar crítico sobre os costumes de sua época. Douglas McGrath, cineasta e roteirista, captura com maestria o caráter lúdico e enganoso desta narrativa, onde as aparências iludem, e a protagonista, uma anti-heroína disfarçada de benfeitora, provoca reviravoltas que eventualmente se voltam contra ela própria.
Embora “Emma” conte com um elenco secundário de peso, o filme é essencialmente conduzido pela atuação de Gwyneth Paltrow no papel principal. Sua personagem, Emma Woodhouse, enxerga a si mesma como uma figura quase divina dentro de Highbury, uma pequena comunidade ao norte de Londres. Convencida de sua capacidade de manipular o destino das pessoas ao seu redor — principalmente no campo amoroso — Emma tenta interferir na vida de seus conhecidos, revelando tanto seu desejo de controle quanto suas limitações.
Paltrow, ao interpretar Emma, constrói uma base sólida para sua futura atuação como Viola de Lesseps em “Shakespeare Apaixonado” (1998), uma comédia romântica dirigida por John Madden. Por este papel, a atriz conquistou o Oscar de Melhor Atriz, embora a vitória tenha gerado controvérsias no Brasil, já que o filme superou “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, na disputa pelo prêmio de Melhor Filme. Essa competição será explorada em detalhe em um próximo artigo, dedicado ao longa protagonizado por Fernanda Montenegro, a indicada brasileira daquele ano.
Na trama de “Emma”, a protagonista não busca um marido para si — está perfeitamente satisfeita em sua posição de solteira —, mas dedica-se a encontrar um par para Harriet Smith, uma amiga de infância cuja origem modesta e idade avançada para os padrões da época dificultam suas chances de casamento. No entanto, essa busca por um pretendente ideal revela tanto as intenções benevolentes quanto as falhas de julgamento de Emma, expondo as contradições e tensões sociais que permeiam a obra de Austen.
A direção e o roteiro de McGrath desenham com precisão o caos provocado por Emma, equilibrando com elegância as nuances cômicas e dramáticas. Dois personagens masculinos são introduzidos estrategicamente ao longo da narrativa, mas a protagonista permanece no centro das atenções, compartilhando a cena apenas com Harriet, interpretada por Toni Collette, em momentos cuidadosamente orquestrados. No universo de “Emma”, onde o valor das pessoas se mede pelo que afirmam ser, a protagonista aprende uma lição importante — ainda que consiga, ao final, sair ilesa e fortalecida. Jane Austen, em sua habilidade incomparável, mantém-se uma referência atemporal.
Filme: Emma
Direção: Douglas McGrath
Ano: 1996
Gêneros: Comédia/Romance
Nota: 10