As mulheres não choram, as mulheres faturam.
(Shakira)
Catarina, protagonista da peça “A Megera Domada”, é um dos melhores personagens de Shakespeare. Recebeu uma interpretação definitiva de Elizabeth Taylor na versão cinematográfica dirigida por Franco Zeffirelli em 1967. Foi popularizada no Brasil na divertida novela “O Cravo e a Rosa”, de 2001, em uma atuação impagável de Adriana Esteves. Contudo, apesar de Catarina ser uma das personagens mais carismáticas, profundas e complexas do bardo inglês, é também uma das que pior envelheceram. Catarina tornou-se uma figura absolutamente anacrônica. É perfeitamente possível pensarmos em versões contemporâneas de Ofélia, Lady Macbeth ou mesmo Julieta. Uma Catarina contemporânea é inverossímil.
Chega a ser pueril tomar como o foco de uma narrativa atual o processo de doma de uma “megera” por parte de um hétero top aos moldes de Petruchio. Ninguém seria tão estúpido? Ou seria? Penso em Einstein quando ele disse que “duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas, em relação ao universo, ainda não tenho certeza absoluta”.
Não se engane. Apesar de começar citando uma peça clássica e uma novela popular, frequentemente reprisada no Vale a Pena Ver de Novo, esse texto foi escrito sob a força do ódio.
A separação da influenciadora digital e professora de língua portuguesa Cíntia Chagas de um estudante calvo de pedagogia tornou-se um dos temas mais comentados do Brasil. Onde há pessoas, há certezas e julgamentos. Testemunhei um grupo de senhoras e senhores, todos professores universitários, todos mestres ou doutores, todos autodeclarados feministas de terceira geração, defendendo que Cíntia mereceu “levar uns tabefes”, por conta de suas opiniões políticas, arrogância e por ser uma “patricinha” mimada. Retruquei que essa perspectiva era equivalente a afirmar que uma mulher merece ser importunada em função das roupas que estiver vestindo. Defenderam-se usando argumentos bem próximos da célebre frase de George Orwell em “A Revolução dos Bichos”: “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Depois de passar alguns minutos jogando xadrez com pombos, sem ter o que fazer, retirei-me.
Acompanhando o caso pela internet, assisti a vídeos e li textos absurdos sobre o assunto, mas testemunhar a toxicidade desses comentários ao vivo é sempre mais impactante.
Acabei tomando ciência dos detalhes no boletim de ocorrência que vazou na imprensa. Obviamente, as denúncias precisam ser apuradas pela Justiça antes de se estabelecer culpas. Como não sou a Justiça, concedo-me a liberdade de acreditar no testemunho de uma pessoa que não teria nada a ganhar com esse testemunho. Ainda que nem tudo seja verdade, ainda que metade seja verdade, ainda que apenas um dos episódios narrados seja real, já é o suficiente para estarmos no campo da barbárie. Abuso psicológico, arremessos de garrafas de água e facas, xingamentos, gritos ao pé do ouvido, controle de onde vai ou deixa de ir, beliscões, apertões, ameaça de queimar bolsas, controle das redes sociais, expulsões, manobras para prejudicar financeiramente e até uma ridícula observação sobre a idade de Cíntia apareceu (ai, xovem!). O cardápio é vasto.
Uma lista de impressões impõe-se: narcisismo, masculinidade frágil, síndrome do machinho alfa, complexo de dono da bola, certeza de inferioridade, entre outros. Talvez seja a somatória de tudo, talvez tenha sido a falta de mertiolate ardido ou apenas saudade do professor de crossfit. Jamais saberemos com certeza. Ao que parece, estamos diante de um anacrônico e descabido Petruchio pós-moderno, com mão pesada e pouco cabelo.
Acho inverossímil acreditar que o estudante calvo de pedagogia desconhecesse a personalidade forte de Cíntia Chagas antes do casamento, antes do noivado, do namoro ou mesmo do primeiro flerte. Para o bem ou para o mal, sendo amada ou odiada, Cíntia é famosa há anos. Em grande parte, por conta de suas opiniões controversas. Tudo planejado, ela conduziu sua carreira exatamente para onde quis. O primeiro percalço não antevisto que enfrenta é esse.
Quanto ao moço calvo, confesso que o desconhecia até explodirem as fofocas sobre a separação. Fui informado por amigos que acompanham Léo Dias que ele também é famoso. Fiz uma pergunta sincera: famoso como era famoso o ex-marido da Ana Hickmann ou o ex-namorado da Iza, aquele que jogava no Mirassol? Lembrei-me de um post viralizado da Ruth Manus que se perguntava o motivo de ser tão comum mulherões da porra relacionarem-se com homens medianos. Segundo Ruth Manus, “mulheres fabulosas se convencem de que os medianos (e muitos abaixo do mediano) bastam para elas — ele me trata bem, ele é um cara legal, ele é o suficiente. O problema desse mecanismo é que isso gera neles a certeza de serem mais do que são. De merecerem o que, na realidade, era genuinamente incompatível com eles”. Voto com a relatora.
É certo que em algum momento do relacionamento o estudante calvo “tratou bem” Cíntia Chagas. É da intimidade do casal como essa relação desenvolveu-se ao ponto de ela achar que o matrimônio seria uma boa ideia. Ninguém tem que se meter, arvorando-se a ser profeta de profecia já realizada, bradando “era tão óbvio, como ela não percebeu?”. Tenhamos respeito. Mas, aparentemente, essa postura “suficiente” mudou logo após a cerimônia de casamento. A união durou apenas três meses.
O que pode justificar tamanha metamorfose? Tirando a escassez de pelos, não há maiores semelhanças entre o estudante de pedagogia e um sapo que pudesse se transformar em príncipe ou vice-versa. Citando “Hamlet”, outra peça de Shakespeare, “embora seja loucura, há nela certo método”.
Terá sido a certeza da posse do corpo e da alma do cônjuge, com assinatura lavrada em cartório, confirmada em igreja italiana e exibida com pompa e circunstância nas redes sociais? Ou será possível que um Petruchio pós-moderno, em pleno século 21, apostaria com os amiguinhos do clube do charuto e whisky que seria capaz de domar uma megera célebre? Será?! Não acredito! Mas, se não for isso, serão as tais “disfunções comportamentais” citadas por Cíntia na mensagem de término? O que será pior?
Não sei. Só posso afirmar que entre os relatos vazados no boletim de ocorrência, um dos piores é a revelação de que o ex-marido chamava a famosa professora de língua portuguesa de burra. Cíntia Chagas pode ser chamada de muitas coisas, inclusive de dedo podre, mas burra não é uma delas. Ainda que fosse, é de uma deselegância lamentável esse tipo de tratamento entre um casal.
Seja como for, Cíntia venceu ao fazer como os cabelos do estudante de pedagogia, abandonando-o precocemente.
Mas, se o moço calvo que adora dar palpites sobre educação não leu a peça “A Megera Domada” ou, no mínimo, assistiu à clássica adaptação cinematográfica de 1967, sabemos quem é burro. Ter assistido “O Cravo e a Rosa” tomando leitinho quente com biscoitos no sofá da casa da vovó não conta. Leu? Assistiu? Está careca de saber tudo sobre Shakespeare? Agora é hora de a consciência falar mais alto do que os berros no ouvido das outras pessoas.
Bovino demais!