Faroeste contemporâneo com Kevin Costner e Woody Harrelson na Netflix: visceral e imperdível, vale cada milésimo de segundo Divulgação / Netflix

Faroeste contemporâneo com Kevin Costner e Woody Harrelson na Netflix: visceral e imperdível, vale cada milésimo de segundo

Filmes ambientados em períodos históricos nos conduzem a sentimentos inesperados, muitas vezes despertando em nós sensações com as quais não esperávamos nos deparar. De maneira quase automática, somos transportados para cenários repletos de glamour, o que inevitavelmente torna o enredo ainda mais atraente. Contudo, é preciso lembrar que esse fascínio pode ocultar armadilhas, especialmente em tempos em que figuras que deveriam ser repudiadas acabam sendo glorificadas de forma imprópria e preocupante.

Criminosos de diferentes calibres têm, com o tempo, desfrutado de uma fama indesejada, frequentemente alimentada por revisões históricas tendenciosas que, além de distorcidas, promovem a apologia ao crime de maneira disfarçada. No contexto brasileiro, “Tropa de Elite” de José Padilha se destaca ao retratar a complexidade do submundo da criminalidade, apresentando um equilíbrio raro ao evidenciar policiais comprometidos com seu dever ético. Similarmente, “Estrada sem Lei” (2019) busca reviver esse espírito de resistência, ainda que a adaptação do título ao português tenha sido marcada por um filtro que tenta suavizar suas intenções originais, refletindo a maneira como algumas narrativas acabam sendo moldadas ao gosto de determinados públicos.

A simples análise dos títulos em seus idiomas originais e traduzidos pode parecer insignificante, mas revela muito sobre as diferenças culturais entre nações. Enquanto o título original mantém uma conotação mais direta e pragmática, a versão traduzida procura algo mais neutro. Sob a direção de John Lee Hancock, “The Highwaymen” evita a armadilha de endeusar Bonnie e Clyde, oferecendo uma narrativa centrada em Francis Hamer e Maney Gault, dois policiais aposentados que, apesar de seus destinos opostos, são unidos pela missão de capturar o famoso casal de criminosos. Hamer, vivido por Kevin Costner, desfruta de uma vida confortável, enquanto Gault, interpretado por Woody Harrelson, vive em condições muito mais modestas, mostrando a disparidade entre seus estilos de vida e sua luta compartilhada.

A condução firme de Hancock não apenas revela a história pouco conhecida desses dois policiais, mas também desafia a visão popular que mitifica Bonnie e Clyde. Em um prólogo revelador, somos informados sobre a batalha legal movida pela viúva de Hamer contra a Warner Bros., o que reforça o compromisso do filme com a verdade histórica. Esse resgate da verdadeira história por trás da caçada aos criminosos é um ponto central do filme, que vai além da simples ação para investigar o impacto desses personagens na cultura americana.

Embora o filme ofereça momentos de tensão e perseguições intensas, ele não se limita a isso. A escolha de enfatizar o cenário vasto e desértico do Texas, com seus longos horizontes e paisagens áridas, confere à narrativa uma atmosfera quase épica. Em vez de ceder ao ritmo frenético de tiroteios e explosões, o diretor opta por planos sequenciais calculados, permitindo que a história se desenrole de maneira mais contemplativa, reforçando a inevitabilidade do destino que aguarda os criminosos.

A redenção, tanto dos personagens quanto dos atores que os interpretam, é um dos temas centrais do filme. Kevin Costner e Woody Harrelson, ambos subestimados ao longo de suas carreiras, encontram aqui uma oportunidade de demonstrar seu talento, especialmente na construção de personagens contidos, cujas emoções são expressas tanto nos diálogos quanto nos silêncios. Suas interpretações trazem um equilíbrio perfeito à dinâmica entre Hamer e Gault, resultando em uma dupla que, apesar de suas diferenças, compartilha uma dedicação inabalável à justiça.

“The Highwaymen” não pretende ser uma réplica de “Bonnie e Clyde — Uma Rajada de Bala”, o clássico de Arthur Penn, mas sim uma resposta crítica à glamorização do crime. O filme de Hancock, com sua abordagem direta e clara, reafirma que o crime, ao contrário do que muitos possam acreditar, raramente compensa. Mesmo que essa seja uma lição que alguns insistam em ignorar, o filme não hesita em reiterá-la com precisão.


Filme: Estrada sem Lei
Direção: John Lee Hancock
Ano: 2019
Gênero: 
Crime/Drama
Nota: 9/10