O thriller de guerra mais premiado da história da Netflix (e que você provavelmente nem sabia que existia) Divulgação / Netflix

O thriller de guerra mais premiado da história da Netflix (e que você provavelmente nem sabia que existia)

Ao longo do último século, o planeta foi marcado por uma sucessão de ditaduras que deixaram cicatrizes profundas na história. Independentemente do espectro ideológico, regimes autoritários, frequentemente concentrados na figura de líderes implacáveis, instauraram um cenário de repressão, violência e medo que, em certos aspectos, ainda se faz sentir nos dias atuais.

Baseado em eventos reais, o filme de 2019 “A Trincheira Infinita” aborda a trajetória de Higinio Blanco, opositor ao governo ditatorial do general Francisco Franco, que subiu ao poder na Espanha em 1936 após um golpe de Estado. Interpretado por Antonio de la Torre, Blanco é forçado a um exílio inusitado: esconder-se em sua própria casa para escapar da perseguição implacável do regime. Durante 33 anos, viveu isolado, num confinamento sufocante, refém do medo e da brutalidade da ditadura franquista, aguardando o término de um ciclo de opressão que parecia não ter fim.

Assim como o stalinismo na União Soviética, o nazismo na Alemanha, o maoísmo na China e outros regimes opressores do século XX, o franquismo, que perdurou de 1939 a 1976, caracterizou-se pela concentração extrema de poder e pela aliança com a Igreja na luta contra o comunismo. A Guerra Civil Espanhola, que deu origem ao governo de Franco, foi seguida pela Segunda Guerra Mundial, durante a qual a Espanha alinhou-se ao Eixo, liderado por Hitler. Nesse contexto, Higinio viveu uma existência marcada pelo silêncio e pela autopreservação, evitando qualquer atitude que pudesse condená-lo e sua esposa, Rosa, ao sofrimento ou à morte.

A narrativa dos diretores Jon Garaño, Aitor Arregi e Jose Mari Goenaga destaca a passagem do tempo, simbolizada por elementos como o rádio e a televisão, que marcam a evolução da sociedade e o aumento da circulação de informações sobre os abusos do regime. A fotografia em tons sépia acrescenta uma camada de melancolia à história, capturando a angústia do protagonista em seu isolamento forçado, enquanto o mundo ao seu redor se transforma.

A vida de Higinio, embora dominada pelo medo, contém momentos de leveza inesperada, como quando ele testemunha o romance secreto entre o carteiro Enrique e um guarda-civil. Esses encontros ocasionais criam uma rede silenciosa de cumplicidade entre os três, mostrando como a repressão gera paradoxos e alianças improváveis. Mesmo nos tempos mais sombrios, surgem brechas para o inesperado.

Antonio de la Torre oferece uma interpretação minuciosa de um homem que, para sobreviver, se enclausura por décadas, remetendo à sua atuação em “Uma Noite de 12 Anos”. “A Trincheira Infinita” se afirma como um testemunho cinematográfico de um passado que, apesar de distante, ecoa na memória coletiva, lembrando que as sombras da tirania nunca estão tão longe quanto gostaríamos de imaginar.


Filme: A Trincheira Infinita
Direção: Aitor Arregi, Jon Garaño e Jose Mari Goenaga
Ano: 2019
Gêneros: Drama
Nota: 8/10