Em diversos momentos de “Guerra e Revolta” — um drama histórico ambientado no período pós-revolta de Jeong Yeo-rip, em 1589, na Coreia — fica inegavelmente claro que o roteiro é obra de Park Chan-wook. O humor corrosivo de Park e sua propensão a retratar a violência com um toque operístico permeiam algumas das cenas mais marcantes, como a que mostra uma espada cravada no pescoço de um soldado morto, segurada por uma mão decepada. Essa mordacidade de Park proporciona uma identificação imediata com seu estilo único. Entretanto, esses vislumbres são esporádicos, e o espectador logo percebe que o controle da narrativa está nas mãos de outro diretor.
Embora Kim Sang-man, colaborador frequente de Park e ex-diretor de arte, traga uma vitalidade sanguinária à trama de conspiração e vingança, sua abordagem não consegue manter a coerência do início ao fim. O filme, carregado pelo peso de sua própria complexidade, se perde em meio a excessos narrativos, minando o impacto emocional que deveria ser o coração da história. Enquanto “Guerra e Revolta” é bem executado em alguns aspectos e bem orquestrado em suas cenas de batalha, o excesso de terreno narrativo enfraquece sua coesão, resultando em um drama que carece de direção precisa.
O pano de fundo histórico de “Guerra e Revolta” é denso, situado em um momento tão intrincado que até os estudiosos ainda discordam sobre os eventos reais. A obra tenta condensar um dos episódios mais sangrentos da Dinastia Joseon em uma narrativa de amizade, traição e luta, com ecos de temas universais como lealdade e poder. No centro dessa história estão Jong-ryeo (Park Jeong-min), filho de um militar de alta patente e conselheiro do tirânico rei Seonjo (interpretado com astúcia por Cha Seung-won), e Cheong Yeong (Gang Dong-won), um escravo submetido a um destino cruel que o coloca à mercê do amigo de infância.
Jong-ryeo e Cheong Yeong criam um vínculo que sobrevive à passagem do tempo e às adversidades, mas a promessa de liberdade feita a Cheong Yeong é apenas uma miragem. Ignorando a brutalidade do sistema social, o jovem escravo se esforça para cumprir o destino prometido, apenas para descobrir que as correntes da escravidão são mais profundas do que as cicatrizes que carrega. Essa tensão explode quando a rebelião, liderada pelo estudioso Jeong Yeo-rip, começa a desafiar o status quo com a ousada afirmação de que todos os homens nascem iguais. A trágica reviravolta da história não tarda: o destino de Cheong Yeong se cruza com o de Jong-ryeo de maneira devastadora, e a amizade dos dois é transformada em um duelo mortal de lealdades divididas.
A narrativa de “Guerra e Revolta” ganha um novo ritmo sete anos após o início da revolta, com Cheong Yeong, agora conhecido como o “Deus de Túnica Azul”, liderando o Exército da Justiça contra as forças do rei. A dualidade entre ele e Jong-ryeo se intensifica, à medida que o primeiro se torna uma lenda popular, enquanto o segundo ascende como um dos comandantes favoritos de Seonjo. A tragédia pessoal que impulsiona o conflito entre eles — uma falha de comunicação que leva Jong-ryeo a acreditar que seu antigo amigo é responsável pela morte de sua família — dá à narrativa um tempero de ironia e desespero.
Infelizmente, o filme não consegue sustentar o ritmo dessa tensão por tempo suficiente. Embora as cenas de ação sejam consistentemente eletrizantes e o personagem de Cheong Yeong exale uma presença quase mítica nas batalhas, sua caracterização carece de profundidade. Ao longo do filme, ele passa muito mais tempo envolto em uma aura de silêncio estoico do que expressando seus dilemas internos, e sua transformação de escravo para herói lendário é subaproveitada no roteiro. Gang Dong-won faz o melhor que pode com o material que lhe é oferecido, e seu desempenho físico nas cenas de combate é impressionante. No entanto, é difícil ignorar o fato de que o personagem parece mais uma figura de ação do que um ser humano em conflito com seu destino.
O filme equilibra de forma delicada suas cenas de violência brutal com momentos de humor mordaz, que são, de fato, os pontos altos da trama. A dinâmica entre os personagens principais é pontuada por diálogos sarcásticos e gestos que suavizam a gravidade dos eventos. A liderança militar feminina, interpretada por Kim Shin-rok, brilha em particular, trazendo uma dose de cinismo necessário à narrativa. Em contrapartida, os elementos históricos e as tensões sociopolíticas ficam em segundo plano, muitas vezes relegados a flashbacks tardios que tentam, sem sucesso, dar profundidade à trama.
A direção de Kim Sang-man, embora visualmente competente, luta para manter o controle da narrativa, especialmente nas sequências mais introspectivas. O filme parece perder o fôlego quando não está envolvido em cenas de luta, e a tentativa de equilibrar o épico histórico com um drama pessoal não encontra uma resolução satisfatória. “Guerra e Revolta” parece vacilar entre dois polos: a intensidade gráfica das batalhas e a leveza quase cômica de seus diálogos, criando uma obra que oscila entre o gravitas de uma grande epopeia e a irreverência de um filme de ação B.
No final, “Guerra e Revolta” é uma obra que, embora tecnicamente bem executada, não atinge todo o seu potencial narrativo. O público é brindado com visuais marcantes e cenas de ação coreografadas com precisão, mas o núcleo emocional do filme, o conflito entre os dois amigos, é subestimado e, em última análise, não alcança a força necessária para ancorar a narrativa. “Guerra e Revolta” deixa uma impressão mista: um épico que brilha em sua superfície sangrenta, mas que não consegue penetrar nas camadas mais profundas da alma de seus personagens.
Filme: Guerra e Revolta
Direção: Sang-man Kim
Ano: 2024
Gêneros: Ação/Drama/Thriller
Nota: 8/10