Em um mundo onde a proximidade forçada pode transformar vizinhanças em campos de batalha, é inevitável que conflitos surjam, especialmente quando as paredes que separam os lares são tão finas quanto o limite da paciência. Os dez centímetros de concreto que dividem apartamentos podem parecer barreiras intransponíveis, mas não há como prever o que se esconde além delas: a qualquer momento, o cheiro de algo queimando pode invadir a janela de alguém, fruto de uma madrugada mal dormida e de um bife esquecido no fogo por um vizinho exausto, trazendo consigo o prenúncio de um caos iminente.
Em “Uma Parede entre Nós”, dois vizinhos de personalidades opostas passam quase todo o filme sem se encontrarem frente a frente. No entanto, essa distância física não é suficiente para evitar os entrelaçamentos do destino, que parece sempre encontrar uma forma de aproximá-los, mesmo contra a vontade deles. A diretora Patricia Font, apoiada no roteiro de Marta Sánchez, vai além do previsível ao criar uma narrativa engenhosa sobre as complexidades do amor, seja ele intenso ou modesto, distante ou na porta ao lado. O filme se desdobra como uma crônica habilidosa sobre a busca por conexões genuínas, evidenciando os desafios e as renúncias necessárias para viver uma relação, especialmente em um ambiente onde a intimidade pode ser tão próxima e, ao mesmo tempo, tão distante.
Amar é um ato que sempre demanda sacrifícios. O amor genuíno não surge de forma plena sem que os envolvidos abram mão de certezas e enfrentem os valores tidos como inquestionáveis, renunciando à própria convicção em prol da felicidade mútua, mesmo quando os sonhos compartilhados parecem destinados ao fracasso. Nesse processo de autossuperação, os parceiros, seja no papel de cônjuges ou amantes, precisam encontrar um ponto de convergência que os mantenha unidos, superando fantasias infantis sobre paixões eternas e confrontando as realidades do tempo e das expectativas, o que aumenta substancialmente as chances de alcançarem um período, por mais breve que seja, de verdadeira harmonia.
O edifício onde se desenrola a trama coloca frente a frente um pianista e uma cantora e um desenvolvedor de jogos retrô, unidos por uma parede que, além de física, se revela simbólica. Patricia Font explora essa dualidade de maneira comedida, especialmente no início, alternando a narrativa entre os dois protagonistas. A sequência de Valentina, a artista da história, é marcada por melodias suaves ao som do piano, enquanto David, com seu temperamento intratável e charme inegável, luta para encontrar seu espaço criativo. Interpretados por Aitana e Fernando Guallar, os personagens ganham força nos momentos em que, separados pela barreira que dá nome ao filme, dialogam sem se ver. Ainda que o destino da parede seja previsível, o que realmente importa é o caminho percorrido até que ela, finalmente, venha abaixo.
Filme: Uma Parede entre Nós
Direção: Patricia Font
Ano: 2024
Gêneros: Romance/Comédia
Nota: 7/10