Com direção de Juliana Antunes e roteiro de Carolini Margoni e Carol Pires, “A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samúdio” revive um dos crimes mais impactantes do século 21 no Brasil. A morte de Eliza Samúdio chocou o país por três razões principais: o crime foi planejado pelo goleiro Bruno, uma estrela em ascensão no Flamengo, o time mais popular do Brasil; o corpo de Eliza jamais foi encontrado; e a extrema crueldade com que o crime foi executado.
Entretanto, o objetivo de Antunes é dar voz à vítima: Eliza Samúdio. O documentário inclui depoimentos de figuras centrais no caso, como o delegado Edson Moreira da Silva; a mãe de Eliza, Sonia Fátima Moura; a advogada Mônica Castro, que representou a mãe; Dayanne Rodrigues de Souza, ex-esposa do goleiro Bruno; além de jornalistas que cobriram o caso na época, entre outros. A produção faz uso de imagens de arquivo que relembram a luta de Eliza para denunciar as ameaças de Bruno, que não apenas afetavam a ela, mas também sua família e amigos.
O filme traz à tona arquivos inéditos de conversas online entre Eliza e seus amigos, revelando detalhes perturbadores do relacionamento turbulento entre ela e o goleiro. A relação foi marcada por múltiplas formas de violência praticadas por Bruno — física, verbal e emocional. Eliza, que parecia estar emocionalmente envolvida com o atleta, foi levada a acreditar nas falsas promessas de que ele iria assumir o relacionamento e cuidar do filho que tiveram juntos. A confiança em Bruno foi tão forte que Eliza se deixou atrair de São Paulo para o Rio de Janeiro, onde acabou sendo sequestrada e levada ao sítio de Bruno na região metropolitana de Belo Horizonte, antes de desaparecer para sempre.
As conversas íntimas revelam um quadro claro de abuso, com Eliza relatando as mentiras, as agressões e as ameaças constantes de Bruno contra sua vida e as das pessoas que a cercavam. Ela chegou a fugir para São Paulo com medo de ser morta por Bruno, especialmente depois que a Justiça negou sua solicitação de uma medida protetiva. Ela propositalmente deixou circular notícias de que havia retornado para sua cidade natal no Paraná, para que seu paradeiro fosse temporariamente perdido de vista, até que Bruno a localizou.
O documentário também destaca as várias tentativas de Eliza de obter ajuda. Ela procurou as autoridades diversas vezes, registrando boletins de ocorrência contra as violências que sofria, e também buscou socorro na mídia, aparecendo em programas de televisão para denunciar a ameaça constante que Bruno representava para sua vida. Em uma dessas aparições, ela afirmou categoricamente que, se algo acontecesse com ela, o responsável seria ele.
O mais chocante é que, 14 anos após o crime e 11 anos após a condenação de oito envolvidos, a maioria deles já está em liberdade. Um dos principais envolvidos, Jorge Luiz Rosa, primo de Bruno e responsável por revelar os detalhes sórdidos da morte de Eliza, foi assassinado após deixar a prisão. O documentário expõe a frustração do público e dos familiares de Eliza, pois, embora os réus tenham sido julgados, o caso nunca foi completamente solucionado. Bruno jamais admitiu a culpa pelo assassinato de Eliza, o corpo dela nunca foi localizado, e o que aconteceu com seus restos mortais permanece um mistério, apesar de os envolvidos terem descrito como o assassinato foi encomendado pelo amigo de Bruno, conhecido como Macarrão, e executado por Bola, que a estrangulou.
O documentário de Antunes vai além da narrativa de um crime brutal ao expor o machismo tóxico que permeia o mundo do futebol, onde muitos homens exploram e abusam de mulheres sem enfrentar consequências reais. A cultura permissiva que cerca jogadores de futebol de alto nível, muitas vezes envolvidos em um estilo de vida cercado por drogas, festas e atos ilícitos, é criticada de maneira contundente. Casos recentes, como os de Daniel Alves e Robinho, reforçam que o comportamento de Bruno não foi isolado, mas parte de um problema estrutural. A obra provoca reflexões amargas sobre a impunidade que prevalece, especialmente quando as vítimas são mulheres, e como a Justiça raramente é plena nesse tipo de situação.
“A Vítima Invisível” não apenas resgata a memória de Eliza Samúdio, mas também denuncia o sistema falho que perpetua a violência de gênero, especialmente no Brasil, onde muitas vezes a justiça tarda e falha, deixando famílias como a de Eliza com feridas que nunca cicatrizam. O filme é um poderoso retrato de uma mulher que tentou, por todos os meios, sobreviver à violência e à opressão, mas cujos pedidos de ajuda foram ignorados até ser tarde demais.
Filme: A Vítima Invisível: O Caso Eliza Samúdio
Direção: Juliana Antunes
Ano: 2024
Gêneros: Documentário/True Crime
Nota: 8/10