A francesa Alice Guy Blaché nasceu em 1873 e morreu em 24 de março de 1968, aos 94 anos. Mas quem é Alice Guy Blaché? Talvez só os especialistas (e os aficionados) em cinema saibam de quem se trata. Pois a francesa é simplesmente a mulher que inventou o cinema. Como assim? É o que diz a reportagem “Um resgate necessário — Alice Guy, a esquecida mãe do cinema”, publicada no jornal espanhol “El Periódico”.
Ao morrer em 1968, o ano que talvez tenha mudado o mundo, ao torná-lo mais tolerante à rebeldia política e comportamental, Alice Guy não chamou atenção, nem mesmo da antenada turma da Nouvelle Vague. François Truffaut e Jean-Luc Godard, ases do cinema francês, estavam de olho muito mais na cinematografia norte-americana do que na conterrânea pioneira. Mas a francesa de Saint-Mandé começa a ser reconhecida “como a primeira pessoa que explorou os recursos narrativos do cinematógrafo; a inventora dos filmes de ficção; a mãe do cinema tal como o conhecemos”, frisa “El Periódico”, em texto não assinado.
Quando o pai morreu, Alice Guy mudou-se para Paris e começou a trabalhar como secretária na empresa de fotografia de Max Richard, em seguida de Léon Gaumont. “Depois da apresentação pública do invento dos irmãos Lumière, em 1895, Gaumont começou a comercializar suas próprias câmeras para registrar e reproduzir imagens em movimento. Porém, onde os Lumières só perceberam uma inovação técnica de limitado interesse científico, Alice Guy descobriu um meio para contar histórias de uma maneira nova”, relata “El Periódico”.
“Adiantando-se a pioneiros reconhecidos como George Méliès ou Segundo de Chomón” [diretor de cinema espanhol, 1871-1929], Alice Guy “pediu permissão ao seu chefe para rodar cenas utilizando um grupo de amigos como atores. Nasceu assim, em 1896, ‘La Fee Aux Choux’ [“A Fada dos Repolhos”], o primeiro filme que combina a ficção teatral com a imagem em movimento. Satisfeito com o resultado (e pela possibilidade de vender mais câmeras], Gaumont a encarregou de criar um departamento de cinema narrativo”.
Apoiada por Gaumont, Alice Guy se tornou a primeira diretora e produtora-executiva da história do cinema. Mais: também foi pioneira no uso de efeitos especiais. “Méliès nunca ocultou sua influência”, frisa o jornal. A cineasta “introduziu os primeiros rudimentos da técnica de montagem cinematográfica e sincronizou antes de qualquer outro o som de um gramofone com as imagens. Dando o primeiro passo no caminho que levaria à chegada do cinema sonoro”.
Casada com o cinegrafista Herbert Blaché, Alice Guy mudou-se para os Estados Unidos. Na terra de D. W. Griffith, diretor de “O Nascimento de uma Nação”, de 1915, produziu de 600 a mil filmes de westerns, comédias e ficção científica. Divorciada de maneira litigiosa de Blaché, voltou para a França. No seu país, quiçá por falta de apoio financeiro, sua estrela declinou.
“Com o auge de Hollywood e a conversão do cinema em uma grande indústria, as mulheres foram cada vez mais relegadas a tarefas subalternas e a historiografia oficial, com Georges Sadoul na liderança, se encarregou de apagar as realizações de Alice Guy e de outras pioneiras.” A restauração da imagem das pioneiras tem sido feita nos últimos anos. Trata-se de mera construção de feministas radicais? No caso, não. É uma questão de justiça histórica, de justiça com uma criadora artística talentosa e inventiva.